Felizes os perseguidos por causa da justiça

14 de Junio de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,10). Não precisa muito raciocínio para entender que há dois tipos de justiça: uma condicionada à caridade e outra à lei. Apesar de presarem pela verdade, há um diferencial a ser ressaltado: a primeira crê que a verdade está a serviço do amor; a outra, compreende que a lei está a serviço da verdade. 

 

Na Idade Média um homem fora injustamente acusado por práticas de curandeirismo. Levado ao tribunal, ele sabia que, em meio tanta irracionalidade, seria certa a sua condenação à forca. Era acusado de charlatão, por tentar ajudar pessoas infectadas pela peste negra. O juiz, aliado aos inquisidores, dizendo ser justo e bom, propôs deixar a sorte nas mãos do réu. Colocara sobre a mesa dois pedaços de papel que, segundo ele, em cada um escrevera uma sentença. No papel a ser escolhido pelo réu estaria escrito: “liberdade” ou “condenação”. Por um instante o denunciado ouvira a voz de um anjo: “Sede astuto como a serpente e simples como a pomba”. Entendeu que era preciso sabedoria e inteligência. Sabedoria na obediência à autoridade e inteligência na maneira de obedecer. Devia ser astuto, pois, sabia de sua inocência e da armação que o Tribunal de Justiça havia preparado para a sua condenação. Aproximou-se da mesa, pegou um dos pedaços de papel e imediatamente colocou-o na boca para em seguida o engolir. A multidão ali presente, indignada, perguntava: e agora, como saberemos a sentença? O réu, virando-se para o povo e apontando para a mesa, exclamou: “seguramente a minha sentença não é aquela que restou sobre a mesa”. De fato, o juiz havia escrito “condenação” nos dois pedaços de papel. Induzido pela corte, o povo gritou “réu de morte”, pois entendiam que o incriminado havia transgredido a lei por transgredir a regra da justiça.

 

É uma ilustração que faz pensar no julgamento de Jesus. Diante de Pôncio Pilatos (Mc 15,4) foi inquirido sobre a verdade. O governador da Judeia perguntou várias vezes e Jesus nada respondeu, pois sabia que, independentemente de qualquer resposta sua sentença já estava escrita. Jesus sofreu perseguição politica e religiosa por causa da Justiça. Mas, qual justiça? A verdade de Jesus certamente não era a mesma de Pilatos. Sua verdade se submetia ao amor e não à lei.Por mais que quisesse, Pilatos não proferiu a Justiça, no sentido mais puro da palavra. Atrelado à lei e ao poder, lavou as mãos deixando Jesus à sorte da multidão.  

 

A Justiça do Reino de Deus, assim como a verdade, anunciada por Jesus, se submete ao amor. A justiça, que perseguiu e matou friamente o Mestre, estava submissa às leis políticas e religiosas. Suas ideias acerca da justiça, de Deus, do amor, provocaram o poder romano representado, na Palestina, por Herodes e Pilatos; seus ensinos, contrários, à doutrina religiosa judaica, acendeu o ódio nos corações dos fariseus, saduceus e sacerdotes do templo. Jesus, o justo, foi julgado e condenado em nome da lei. Mas, qual lei? A lei que confunde justiça com vingança e que, no entendimento do filósofo Blaise Pascal, muda de acordo com “o afeto ou o ódio”. Por isso esta lei deve ser escrita com “l” e não com “Lei”. 

 

Os legalistas que seguem esta justiça, não aprenderam do Rabi: “Eu vos digo: amem os seus inimigos e orem por seus perseguidores, para que vocês venham a ser filhos do Pai que está nos céus, pois ele faz raiar o sol sobre os maus e bons e derrama chuva sobre os justos e injustos” (Mt 5,44-45). Em Jesus revela-se a certeza do salmista de que a Lei do Senhor, condicionada à sua misericórdia, é verdadeira: “Muitos são os meus adversários e os meus perseguidores, mas eu não me desvio da tua Lei” (Sl 119,157). Assim como há duas formas de praticar a justiça, há duas verdades a serem contempladas. Aqui cabe a pergunta: Por que as injustiças que cometemos não atraem contra nós tanta perseguição quanto a justiça que vivenciamos? 

 

São Paulo, perseguido por causa dos ensinamentos de Cristo, tinha certeza de que a opção pelo amor causaria perseguições, prisão e martírio, por isso escreveu à comunidade de Coríntios (2Cor 4,8-9): “aflitos, mas nunca derrotados; perplexos, mas nunca desesperados; perseguidos, mas nunca desamparados; feridos, mas nunca destruídos”. Na Carta aos Romanos o apóstolo aconselha a oração pelos perseguidores: “abençoem aqueles que os perseguem; abençoem-nos, não os amaldiçoem” (Rm 12,14).

 

Num mundo de injustiças, ser neutro ou indiferente é concordar com o caos estabelecido. Os cristãos são chamados a escolher por outro mundo possível; a lutar pela igualdade e partilha que são formas de manifestação do amor. Como ser alegre na perseguição? O mesmo Espírito que consolara Paulo, hoje consola os cristãos e aqueles que almejam uma sociedade mais justa: “Por amor de Cristo, me alegro nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois quando sou fraco, é que sou forte” (2 Cor 12,10).  

 

Imagem: http://pasespolicia.blogspot.com 

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