07 de Junio de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
“Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). A paz tem um lugar central nas grandes religiões, mas porque a intolerância, a violência e a guerra são justificadas em nome de Deus?
No judaísmo, o proto-Isaías anuncia: “A paz é fruto e produto da justiça; é descanso e segurança para sempre” (32,17). Rumî, místico e poeta muçulmano, comparou a paz à água que mata a sede, natural a cada ser humano: “Não busques a água; mostra apenas que estás sedento, e a água jorrará ao teu redor”. O líder tibetano, Dalai Lama, diz que a paz está em nossos corações e, ainda que esteja oculta, disfarçada ou distorcida, basta mergulharmos no mais íntimo de nós mesmos para descobri-la. Eis o lado divino das religiões.
Por outro lado, uma religião quer se afirmar sobre a outras e, por isso tende a se corromper pelo poder e a presunção de verdade. A intolerância, a violência e a guerra começam pela submissão do “outro” ao “eu”. O teólogo Juan Manoel Hurtado López chama isso de “desmedida do poder”: ela gera injustiças e rompe a harmonia das relações sociais. Dalai Lama, em “Caminho da Sabedoria, caminho da Paz”, observa que esta “desmedida” se caracteriza pelo excesso de orgulho e atitudes hostis de uns sobre os outros. Não diferente, Santo Agostinho, em suas “Confissões”, chama isso de “terceiro gênero”, o desejo de ser temido e admirado pelos outros com a finalidade de autoafirmação.
Há uma deturpação do conceito de “Pacificador” quando ouvimos que a Polícia “pacificadora” subiu ao morro para implantar a ordem nas favelas do Rio. Neste sentido, o “pacificador” combate a violência com violência. O conceito foi deturpado também no Paraná. O governador (Beto Richa do PSDB) foi chamado de “pacificador” ao convocar o Batalhão de Choque da PM para pôr ordem, custe o que custar, às manifestações pacíficas dos professores do Estado que questionavam as mudanças na Previdência. Recentemente, o presidente da República (Michel Temer) sob o argumento de “pacificador” determinou que as forças armadas reprimissem os trabalhadores que reivindicam melhor condição de trabalho no transporte de cargas. A quem chamamos de “pacificadores”?
“Pacificador”, numa perspectiva cristã, são os que promovem a paz. Apesar de saberem que os conflitos sempre estarão presentes, pois há os que são favorecidos com esta situação, persistem em construir um mundo melhor. Jesus veio trazer a luta aos que almejam um reino de justiça. A paz não se constrói pelo poder das armas ou ambições políticas, econômicas ou religiosas. A paz resulta da prática da justiça e da solidariedade aos mais pobres.
A paz de Jesus está no coração do ser humano, mas ainda escondida, precisa ser revelada; não é violência, mas é luta constante. Talvez por isso ele tenha dito: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10,34). Os ensinamentos do Mestre vêm através de parábolas e metáforas. A espada é símbolo de luta, assim como a cruz é sinal de vitória.
São muitas as lutas, mas é bom ressaltar que a primeira delas diz respeito às nossas próprias tentações. Cultivamos a tentação de ver os defeitos alheios enquanto permanecemos cegos aos nossos. Michel de Montaigne ao falar “Sobre a Amizade” alerta que os defeitos que mais abominamos nos outros, são os que não enxergamos em nós e “com uma falta milagrosa de vergonha e perspicácia, ficamos impressionados com eles”. A paz começa no interior de cada um de nós e se expande na família e sociedade (Mt 34, 35-38).
A humildade é essencial. Dalai Lama diz que, nesta luta contra o poder e as injustiças, os construtores da paz não devem se orgulhar disso como se fossem os “nobres protetores dos fracos”. Lao Tsé, em “Tao Te king”, já dizia que para construir a paz é preciso brilhar, sem se reluzir; ter boa reputação, sem se elogiar; fazer boas obras, sem se vangloriar, pois do coração daqueles que promovem a paz “brota o amor; em suas palavras, há fé e sinceridade; ao governar, procura a paz; em tudo o que faz, procede com habilidade; para agir escolhe o momento apropriado”.
Qual é a solução para a paz? Eliminando os poderosos e os que pensam diferente? Aprendemos com Jesus a “não-violência ativa” e o filósofo francês Roger-Pol Droit, em “A Tolerância”, nos lembra: “precisamos aceitar que os outros, mesmos que às vezes pareçam aberrantes para nós, existem como são e não como gostaríamos que fosse”.
Não fazer ao outro o que não gostaríamos que nos fizesse é fundamental para o diálogo e à rejeição de tudo o que não nos liberta. Apesar da diversidade de opiniões, rejeitamos a intolerância, a violência e a guerra. A oração de São Francisco é bem atual: “Senhor, fazei-me um instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor e onde houver ofensa que eu leve o perdão”.
Imagem: http://baltasargarzon.org/carrera-judicial/terrorismo/
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