A pastoral coletiva – o modelo de Igreja (modelos de pastoral em torno à renovação do Vaticano II – 4)

27 de Mayo de 2018

[Por: Agenor Brighenti]




Antes do Vaticano II, a Igreja levou a cabo sua missão, alicerçada em dois modelos de pastoral. Na Idade Média, no longo período da Cristandade, esteve em voga a Pastoral de Conservação. Na Idade Moderna, numa postura de neocristandade, de reconquista do mundo moderno emancipado da Igreja, esteve vigente a Pastoral Coletiva. Ambos modelos, embora superados pelo Concílio Vaticano II, infelizmente, continuam ainda presentes na Igreja, hoje.  

 

Subjacente a cada um destes dois modelos de pastoral está presente um modelo de Igreja. Tal como vimos no artigo anterior, na Pastoral de Conservação, diferente da época patrística, a Igreja passa a se autocompreender não mais como “Igreja-mãe”, mas como “Igreja rainha”. A imagem de Jesus, o Bom Pastor, é eclipsada pelo panthokrator (Cristo Rei), sentado num trono, vestido de imperador, com cetro na mão. Por sua vez, a Pastoral Coletiva, cujo modelo de ação vimos no artigo anterior, tem também subjacente um modelo de Igreja. Vejamos.

 

A Igreja como “sociedade perfeita”

 

Na Pastoral Coletiva, a Igreja se auto-compreende como “sociedade perfeita”. Para ela, a sociedade civil, laica e emancipada da tutela do religioso, é uma sociedade “imperfeita”, pois “fora da Igreja não há salvação”. Para que a sociedade seja salva, precisa se tornar cristã e fazer parte da Igreja, da Cristandade. 

 

Neste contexto, a missão da Igreja consiste em recristianizar, através de uma missão centrípeta: sair para fora, a fim de trazer de volta para dentro dela “as ovelhas desgarradas”.  E como o clero não é mais aceito pela sociedade laica, a missão vai ser levada a cabo pela ação capilar dos leigos, como “soldados de Cristo”, através dos movimentos e associações. Entretanto, os leigos continuarão sem um lugar próprio na Igreja, na medida em que passam a “participar” da missão do clero e serão enviados como “extensão” de seu braço. Há, aqui, uma clericalização dos leigos. 

 

A auto-compreensão da Igreja como “sociedade perfeita” se desenhará com mais clareza no final século XIX e princípio do Século XX. Uma vez questionado o argumento de autoridade pelos iluministas, a Igreja se apresentará como uma “fortificação” ou “castelo”, cerrando filas em torno ao papa, lutando contra o inimigo modernista, proclamando novos dogmas e condenando toda heresia. É neste contexto que será definido o dogma da infabilidade papal, acirrando a centralização na Igreja, que ampliará o aparato da Cúria romana. Também crescerá o papel das nunciaturas e sua ingerência na nomeação dos bispos. Com isso, a Igreja aparecerá mais como um gueto do que uma instituição inserida no seio do moderno, numa postura de diálogo e serviço. 

 

O dualismo espiritual-material como pano-de-fundo

 

Esta visão pejorativa do mundo e da sociedade emancipada da tutela do religioso está fundada, não na revelação bíblica, mas na filosofia grega. O dualismo espiritual-temporal terá outras consequências, pois vai se prolongar no dualismo Igreja-mundo e no binômio clero-leigos. Enquanto do lado protestante surge uma concepção de Igreja mais espiritualista e personalista (sola Fides, sola Gratia, sola Scriptura) e o único sacerdócio comum dos fiéis, do lado católico continuará a visão de uma Igreja instituição, com seu caráter universal, acentuando a supremacia do sacerdócio hierárquico em relação ao sacerdócio comum dos fiéis, assim como os sacramentos como único meio de salvação. Roberto Belarmino, o teólogo da contra-Reforma tridentina, conceberá a Igreja como “encarnação continuada” – a sociedade de homens unidos pela profissão na verdadeira fé, pela comunhão dos mesmos sacramentos e sob o governo dos legítimos pastores, em torno ao único vigário de Cristo sobre a terra, o romano pontífice.

 

Neste contexto, numa atitude hostil frente ao mundo, a Igreja acaba criando seu próprio mundo, uma espécie de “subcultura eclesiástica”, no seio da qual pouco a pouco se sentirá a necessidade de vestir-se diferente, de morar diferente, de evitar os diferentes, de conviver entre iguais, em uma típica mentalidade de seita ou gueto. A redogmatização da religião e o entrincheiramento identitário acabam sendo sua marca, apoiados na racionalidade pré-moderna, dedutiva, essencialista, a-histórica. Diante da dúvida, apresenta-se a certeza da tradição e a obediência à autoridade monárquica, ícone da divindade na terra. Em lugar da Bíblia, coloca-se na mão do povo o catecismo da Igreja. Em lugar de teologia para formar cristãos adultos, enquadra-se os fiéis na doutrina e nos dogmas da fé católica. Com naturalidade, fala-se em “refazer o tecido cristão da sociedade”, em manter seu “substrato católico” e em “adotar o método apologético” na evangelização, ignorando a existência de um mundo, irreversivelmente, autônomo da Igreja, pluralista, tanto no campo cultural como religioso. Felizmente, o Concílio Vaticano II logo iria superar radicalmente estes limites.

 

Imagem: http://blog.praecones.org/author/frodrigues/page/3/ 

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