03 de Mayo de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
Felizes os que choram e infelizes os que não choram. Que contradição! No evangelho de Mateus está escrito: “Felizes os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5,4). O evangelista Lucas narrou: “Felizes os que choram...” (6,21b). As duas traduções me fazem pensar. Como ser feliz vivendo na aflição? Choramos por várias razões: uma criança chora querendo um brinquedo; um jovem chora ao passar no vestibular; um adulto chora na formatura do filho; um velho chora ao lembrar seu passado.
Clarice Lispector disse que há duas espécies de choro: o bom e o ruim. Neste, segundo ela, as lágrimas não cessam, não há alívio. O choro bom não é confortável, mas dá pausa à alegria, como bem expressa o Eclesiastes (3,4): “há tempo de chorar e tempo de rir; há tempo de prantear e tempo de dançar”. Também o Salmo 30,5b aponta para o alivio: “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Todos choramos! Mas, o choro dos aflitos, do qual fala Jesus, não é para sempre. Acerca dele escreveu nossa poeta Cecilia Meireles: “O choro vem perto dos olhos para que a dor transborde e caia”.
Penso na aflição psíquica e social. No primeiro sentido, trata-se da angústia, um sintoma que, na maioria das vezes, ligado a complexos e traumas, permanece inconsciente, isto é, não se sabe onde e quando atuaram os ambientes repressores e estressantes. No sentido social, mais consciente, diz respeito a opressão e injustiça sofridas por estressores externos.
Na aflição psíquica, a alma sofre. Angustiada, experimenta a falta de sentido. A frase atribuída a Kurt Cobain, vocalista da banda Nirvana, expressa bem este sentimento: “se meus olhos revelassem minh’alma, as pessoas, ao me verem sorrir, chorariam comigo”. Quem nunca teve o peito apertado “atire a primeira pedra”. Quem nunca sentiu que a única saída é fingir que tudo vai bem e seguir em frente? Ser forte, alegre, sorridente, bem resolvido e sucedido na vida parece ser mais seguro aos olhos de uma sociedade hipoteticamente feliz. Engolimos o choro, escondemos as tristezas e esboçamos um sorriso e, se alguém não é feliz, que pelo menos demonstre.
Na perspectiva social, a aflição é opressão. A época de Jesus nos ajuda a fazermos uma leitura consciente de nossos dias. De um lado, o poder político-econômico-religioso alienava a elite judaica ao Império Romano; do outro lado, a massa explorada, carregava pesados fardos, era obrigada a aceitar uma ideologia que separava os sadios e salvos dos doentes e pecadores. Geralmente estes eram vítimas de preconceitos, endividados, sem voz e sem expectativa de futuro. O poderio militar romano era justificado pelos interpretes da lei judaica.
Jesus não negou a lei, mas soube interpretá-la sob a ótica da gratuidade da vida. Assim, a comunhão de bens, enquanto utopia, podia se realizar naquele lugar. Os bens, não só materiais, mas morais e espirituais como liberdade, igualdade e respeito. O fundamentalismo político-religioso dos fariseus e dos doutores da lei fortalecia a cultura da morte, produzindo aflitos e desesperados.
Nossa sociedade hoje, não é diferente. O Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo registrou, recentemente, os gastos militares globais e entre os 15 países que encabeçam o ranking, está o Brasil que desembolsou, para este setor, mais de 29 bilhões de dólares em 2017. É desesperador! Na atual crise, há corte de gastos em setores mais importantes como educação e saúde. Uma religião que justifica esse desgoverno não pode reproduzir a mensagem do Reino de Deus.
Devo odiar esta estrutura? Não! Mas, não posso conformar e nem desanimar na luta por uma sociedade mais igualitária e sem violência. Não se trata de ter raiva. Buda, assim como Jesus ensina: Não devemos perpetuar o ódio e o choro que dele emana. Quem segura uma brasa, a fim de atirá-la em alguém, será o primeiro a ser queimado por ela. Já fui queimado muitas vezes e, com a alma amargurada, nada consegui transformar.
O Espírito Santo continua animando os aflitos, aliviando o seu choro e fortalecendo neles a esperança, mas serão consolados aqueles que persistem na fé, resistem pela esperança e não desistem do amor. A estes, como escreveu João (Ap 21,4): “Deus enxugará as lágrimas de seus olhos; não haverá uma cultura de morte; o pranto, o clamor e a dor serão aliviados”. Escuto a poesia que Cazuza dedicou à sua vó. Nela há uma linda teologia do consolo:
“Hoje eu acordei com medo/ Mas não chorei, nem reclamei abrigo/ Do escuro, eu via o infinito/ Sem presente, passado ou futuro/ Senti um abraço forte, já não era medo/ Era uma coisa sua que ficou em mim/ E que não tem fim”.
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