Felizes os pobres

26 de Abril de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Não basta se indignar é preciso buscar luzes para encontrar saídas! Nunca presenciei, de forma tão escancarada, tanto preconceito em relação aos mais vulneráveis de nossa sociedade. Talvez seja por isso que o Brasil tenha despencado no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ocupando a 79ª posição entre os 188 países abordados no relatório das Nações Unidas, encontrando-se entre os 13 países que mais diminuíram no IDH. Cresce cada vez mais a pobreza e o número de pessoas vulneráveis, sem acesso à saúde, escolaridade e renda suficiente para as necessidades mais básicas.

 

Esta realidade me mostra uma democracia frágil. A maioria da população não participa nas decisões onde a agenda é “melhoria de vida” para os mais pobres e, se participa, é alvo do “corte de gastos”. O “governo do povo, com o povo e pelo povo”, como queria Abraham Lincoln ao falar de democracia, não deveria se limitar a discursos, mas repercutir em ações de liberdade, fraternidade e igualdade. Num país onde poucos endinheirados, adoradores das riquezas, não se importam com uma multidão de indigentes onde a maioria é negra e indígena, não há uma democracia séria. Os negros representam quase a metade da população brasileira e, quando se trata de pobreza extrema, eles somam mais da metade. E, neste quadro vulnerável, as mulheres negras são as mais aviltadas em seus direitos.

 

Leio o evangelho de Mateus e medito: “Felizes os pobres no espírito porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3). Mas, quem é o pobre “no espírito”?  Na perspectiva bíblica, “espírito” é um estado, portanto, o pobre, desprovido de seus direitos e vítima do pecado social, é algo a ser resolvido no amor e na justiça divina. O pobre no espírito põe sua confiança no Senhor como expressa o Salmo: “Quanto a mim, sou pobre e necessitado, mas o Senhor preocupa-se comigo. Tu és o meu socorro e o meu libertador; meu Deus, não te demores!” (Sl 40,17).

 

Não basta estar numa situação de pobreza para ser socorrido, é necessário ter fé. Frei Betto escreveu em seu livro Cinco vias para ser feliz: “A pobreza é um mal, decorre de relações injustas. Não há um só versículo na Bíblia que afirme ser a pobreza agradável aos olhos de Deus. Todo pobre é, de fato, um empobrecido, alguém que, involuntariamente, foi levado à essa condição e, agora, anseia desesperadamente ser ver livre dela”. Em outras palavras, é preciso reconhecer-se como vítima, ter consciência de que nenhum poder neste mundo é capaz de salvar e, acima de tudo, gritar por socorro: “eu vi a miséria do meu povo no Egito; ouvi o seu grito de socorro diante dos que o oprimiam. Conheço o seu sofrimento e por isso, desci para libertá-lo” (Ex 3,7).

 

Deus faz opção pelos que sofrem e quer realizar o seu plano de amor e justiça contando com a solidariedade de todos os que confiam nele: “Meu filho, não recuse ajudar o pobre, e não seja insensível ao olhar dos necessitados. Não faça sofrer aquele que tem fome, e não piore a situação de quem está em dificuldade. Não perturbe mais ainda a quem já está desesperado, e não se negue a dar alguma coisa ao necessitado. Não rejeite a suplica de um pobre, e não desvie do indigente o seu olhar” (Eclo 4,1-4). A opção do Senhor pelos mais fracos se faz clara na voz dos profetas, principalmente na denúncia de Isaias: “Ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães que prescrevem opressão. Para desviarem os pobres do seu direito, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo; para despojarem as viúvas e roubarem os órfãos! (Is 10,1-2).  

 

Jesus, leitor e seguidor da Escritura, soube interpretar a vontade de Deus. Não basta ser pobre no sentido material do termo. No evangelho Mateus narra um fato importante a fim de definir o que é pobre e o que é rico: Um jovem se aproximou de Jesus e perguntou sobre como conseguir a vida eterna. Jesus respondeu que não bastava guardar os mandamentos, era preciso, em busca da perfeição, vender as riquezas, dá aos pobres e segui-lo. O jovem retirou-se, com tristeza, porque acumulava riquezas. Jesus então disse aos seus discípulos: “em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus” (Mt 19,16-23). O projeto de Deus se encarna e concretiza em Jesus. No sermão da montanha Ele fala dos passos para a felicidade e começa dizendo: “felizes os pobres porque deles é o reino dos céus”. Os ricos são felizes porque colocam sua segurança nos reinos deste mundo, enquanto os pobres, excluídos dos bens essenciais, são felizes pela disposição espiritual ao desapego e profunda confiança no Senhor. Há ricos no espírito? Há aqueles que não colocam o seu coração nas riquezas e poderes deste mundo, tem senso de justiça, confia em Deus e se coloca no lugar dos mais injustiçados. Estes têm espirito de desapego, lutam para que os pobres, negros e índios, tenham prioridades nos investimentos políticos; investem na eliminação do racismo e na diminuição das desigualdades sociais. São pessoas que entenderam a proposta do amor de Jesus, como escreveu Dalai Lama em Por que Ética é mais importante do que Religião? “O amor! Sem dúvida. As pessoas que creem em Deus, o criador, praticam o amor. Muitos irmãos e irmãs cristãos têm se dedicado sua vida a servir aos outros, especialmente aos pobres. Tudo isso vem de ensinamentos de amor”.

 

Imagem: http://blogs.periodistadigital.com/imagenes.php?cat=12553

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