Pastoral de conservação – o modelo de Igreja (modelos de pastoral em torno à renovação do Vaticano II – 2)

20 de Abril de 2018

[Por: Agenor Brighenti]




O Documento de Aparecida, fazendo eco da renovação do Vaticano II, conclamou a Igreja na América Latina a superar a pastoral de conservação, a vida da Igreja centrada no padre e na paróquia. Como vimos no artigo anterior, trata-se de uma pastoral de cunho devocional e sacramentalista, típica do período de cristandade, medieval e, portanto, já milenar, mas que ainda está presente nas paróquias tradicionais. 

 

O modelo de Igreja

 

O modelo de Igreja da pastoral de conservação está ligado ao conceito de “cristandade” e tem um sentido claramente imperial, o regime político da época, em que há uma união entre “trono” (poder civil) e “altar” (poder religioso). A christianitas (cristandade) é entendida e vivida como uma realidade eclesiológica e também política. No regime de cristandade, se conjugam dois poderes – o sacerdotium e o imperium - sendo que a autoridade máxima reside no papa. Nos municípios, as duas autoridades máximas são o padre e o prefeito. Os bispos acedem à categoria de supremos funcionários do Estado, luzindo suas insígnias, títulos e privilégios. O papa adquire um perfil imperial. O “povo de Deus” se converte em populus christianus, um conceito não só teológico, mas também sociológico e político. O inimigo não é o mal espiritual, mas o que se opõe ao Império. Consequentemente, o não-cristão é um inimigo político. A cruz, sinal teológico de redenção, se converte em sinal de vitória militar e insígnia imperial oficial.

 

A imagem de Igreja

 

A imagem de Igreja subjacente à pastoral de conservação é a do Corpus Christi (Corpo de Cristo). Porém, não como referência à realidade misteriosa da Igreja, mas à sua dimensão sociológica, designada “cristandade”. Por isso, é na Igreja-instituição que se dá a totalidade da ordem temporal e espiritual. Põe-se em evidência o aspecto jurídico da Igreja, apresentando-a como congregatio ou potestas (poder). A missão da Igreja é fazer o mundo cristão, ordenando-o segundo as “leis de Cristo”. 

 

Neste modelo, a imagem da Igreja - Mater ecclesia - (Igreja-mãe) do período dos Santos Padres (Séc. II-VI), é substituída pela imagem imperial de Ecclesia regina (Igreja-rainha). A imagem de Jesus, o Bom Pastor, é eclipsada pelo panthokrator (Cristo Rei), sentado num trono, vestido de imperador, com cetro na mão.   Com isso, põe-se em evidência a soberania e o domínio do poder espiritual da Igreja sobre a humanidade. Fazer missão é incorporar os “pagãos” à “cristandade”, ou seja, à Igreja e ao Império cristão. 

 

Do Cristo-Cabeça da Igreja ao padre-cabeça

 

Com relação à configuração histórica da Igreja, da mesma forma que Cristo é o Cabeça da Igreja, se entende que o clero é o cabeça do populus christianus (povo cristão) e, portanto, o alter Christus (outro Cristo). Com isso, a Igreja, em lugar de ser comunidade a exemplo da Trindade, é a “encarnação continuada de Cristo” (Cardeal Belarmino). O cristomonismo reinante leva a conceber a Igreja como emanação do poder de Cristo, passado por ele aos apóstolos e, destes, aos bispos. Ali acaba a Igreja. Não há lugar para os leigos e nem para o Espírito Santo. Tudo procede do direito divino, entregue por Cristo à hierarquia. Cabe a esta integrar a humanidade à Igreja, pois ela é o único meio de salvação, dado que se identifica com o Cristo glorioso e ressuscitado. Como se pode perceber, trata-se de uma eclesiologia apoiada numa cristologia docetista, isto é, uma Igreja que ao auto-identificar-se com o Cristo glorioso, se auto-diviniza, deixa de ser também humana. Consequentemente, a Igreja não erra e não peca e, se pecar, a gente nega, pois é indigno dela ter defeitos. 

 

 

Nesta concepção de Igreja, dado que Cristo é o Cabeça da Igreja e o clero é o alter Christus, na paróquia, padre é o cabeça dos fiéis leigos e leigas. Ele é o polo ativo da Igreja, em quem reside toda iniciativa e todo o poder, enquanto os leigos são o polo passivo, que deve obedecer docilmente a vontade do padre, depositário da vontade de Deus.  Por sua vez, o clero não atua consertado entre si, pois não existe a consciência de que a Igreja se dá na Igreja Local. Diocese é uma instância apenas administrativa, vigilada pelo Bispo, através de sua visita pastoral à paróquia, normalmente a cada cinco anos. A vida da Igreja acontece na paróquia e se rege pelo voluntarismo do pároco, segundo as necessidades que, a seu juízo, vão se apresentando. Normalmente, não se vai além de devocionismos e de tarefas em torno à sacramentalização e ocasional assistência aos pobres. Quando o padre não consegue realizar todas as tarefas, pede a colaboração de leigos de sua confiança, para fazerem sua vontade, que crê ser a vontade de Deus.

 

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