22 de Marzo de 2018
[Por: Marcelo Barros]
Nesses dias, no Brasil, celebramos o martírio da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Pedro Gomes, assassinados no centro do Rio de Janeiro. Três dias antes, no Pará, foi assassinado o militante social Pedro Sérgio Almeida Nascimento, representante da Associação dos Caboclos e Quilombolas da Amazônia. Ele exigia da prefeitura de Barcarena, PA, os documentos de licença ambiental da empresa Hydro que joga detritos nos rios do Pará. Vivemos em tempos de martírio. As pessoas que defendem o projeto da Justiça e da Vida para todos correm riscos e podem ser mortas. Quem é cristão não pode deixar de ligar essas mortes violentas ao martírio de Jesus que as Igrejas celebram nesses dias.
Não deixa de ser estranho: as Igrejas celebram a Semana Santa e fazem o memorial da paixão de Jesus. No entanto, quem parece estar realmente vivendo a paixão e seguindo os passos de Jesus no seu testemunho de dar a vida pelos outros não são os mais religiosos ou pessoas que dizem fazer isso por causa da fé. É claro que, nas últimas décadas, em toda a América Latina e também entre nós do Brasil, muitos homens e mulheres deram a vida pelo povo e pela justiça, por causa da fé.
No dia 24 de março, celebramos o martírio do bispo Oscar Romero, assassinado em El Salvador, no momento em que celebrava a eucaristia. Assim, podemos falar de muitos irmãos e irmãs que deram a vida para realizar no mundo o projeto divino de justiça, paz e libertação para todos. No entanto, na maioria dos casos, essas pessoas não contavam com o apoio e compreensão dos próprios pastores da Igreja. Mesmo Dom Oscar Romero não era bem compreendido por outros bispos e pelo Vaticano. Por que a Igreja que celebra a paixão de Jesus tem dificuldade em reconhecer e mais ainda em viver o martírio como Jesus viveu?
As comunidades cristãs do primeiro século precisaram explicar a cruz de Jesus como sacrifício. Jesus é o servo sofredor de Deus que, como dizia o profeta Isaías, tomou sobre si as nossas faltas e morreu por nossos pecados. É o novo Cordeiro de Deus, cordeiro da nova Páscoa que, por sua morte, nos liberta... Jesus morreu na cruz como vítima de um sacrifício oferecido a Deus Pai, para que ele se reconciliasse com a humanidade e salvasse os pecadores. Até hoje, na maioria das Igrejas, padres e pastores ligam o motor automático e, a cada ano, repetem o mesmo discurso.
No entanto, essa forma de interpretar a fé é inadequada. Além de apresentar Deus como uma divindade cruel que para se reconciliar com o mundo precisa da morte do seu próprio Filho, essa teologia separa a morte de Jesus de todas as outras mortes violentas, ocorridas pela justiça e pela libertação. Apesar dos evangelhos lhe emprestarem palavras que podem ser compreendidas nessa direção, parece que nem o próprio Jesus, inserido na cultura e religião hebraicas, podia pensar assim. A cruz era o suplício que os romanos reservavam para os escravos rebeldes e os que subvertiam a ordem imperial. Com essa acusação, referendada pelas autoridades religiosas, ligadas ao poder político que dominava aquela região, Jesus foi condenado a morrer na cruz.
A morte de Marielle, Anderson e Pedro, assim como a de Oscar Romero e de tantos outros/as nos desafiam a compreender e celebrar a memória da morte de Jesus como martírio e não como sacrifício. E aí sim, a fé na ressurreição de Jesus nos faz ver além da morte. A caminhada da Igreja de base e sua inserção nas lutas de libertação nos ensinam que o martírio não é apenas uma forma de morrer, mas, principalmente, uma forma de viver. Somos testemunhas de que esse mundo tem remédio e apesar de todas as forças do mal, seguiremos nessa caminhada. No 6º Encontro Intereclesial de CEBs, em Trindade (1986), as comunidades afirmaram: “Nós queremos nossos mártires vivos e não mortos”. Cremos na ressurreição. Por isso, através da continuidade da luta, podemos, hoje, dizer: Viva Marielle, Anderson, Pedro e todas as testemunhas do mesmo projeto pascal de Jesus.
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