15 de Marzo de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
Assim como uma vela acende outra e pode acender milhares de outras velas, um coração ilumina outro e pode iluminar milhares de outros corações (Leon Tolstoi).
Ouvi dizer que a intervenção militar no Rio de Janeiro, principalmente nas favelas, iria resolver os problemas de segurança pública no Estado. Deparamos com sodados, em algumas favelas, revistando mulheres, crianças e gente trabalhadora como se fossem criminosos. Combater a violência com violência, sem avaliar as graves consequências para a população, é no mínimo um ato de ignorância. Favela não é sinônimo de tráfico, roubo e vagabundagem. Ainda que tenha que lidar com a violência, na favela há gente honesta, trabalhadora e temente a Deus.
Tempos atrás visitei um amigo missionário na Cidade de Deus, Rio de Janeiro. Ele morava e trabalhava com os pobres. Aquela visita me tocou profundamente e hoje, quando ouço falar de intervenção militar na favela, meu coração dispara. Lembro de algumas lições de espiritualidade que aprendi ali.
Conheci uma senhora, muito pobre. Seu barracão de tábua, chão batido, e telhado de lata, paus e papelão, era mais digno do que belos apartamentos adquiridos por pessoas envolvidas em desvio de dinheiro público e corrupção. Sobre o fogão uma lata d’água fervia e logo deduzi que ela nos convidaria para um café. De fato! Na casa, alguns objetos, catados na rua, serviam como móveis. Naquele dia perdera o seu animal de estimação, um cãozinho vira-lata, motivo de sua tristeza.
Enquanto nos falava do amor que sentia pelo cachorro, eu a interrompi deduzindo que provavelmente alguém o tivesse roubado. Olhando-me seriamente disse que não podíamos fazer nenhum julgamento sobre o acontecido; a única coisa que sabíamos é que o animal havia desaparecido. Talvez fosse a lei favela não falar demais e não desconfiar das pessoas. Não. Ela levava a sério o mandamento bíblico: “não julgueis...” Tentei me mostrar solidário e disse que iriamos ajudá-la a sair daquela situação. Com um sorriso nos lábios respondeu: “Deus sabe o que necessito, confio nele e nele repouso”. Diante da desgraça ela enxergava a Graça. Havia ali uma sabedoria que não vem dos livros, do intelecto ou das belas teorias; uma sabedoria de pés descalços e mãos calejadas. Lembrei de Baltasar Gracián, filósofo da prudência: “aplaudimos as tolices dos ricos e não damos ouvidos à sabedoria dos pobres”. Há saberes que o corpo sabe sem saber, independente do grau de instrução, dizia Rubem Alves.
O pensador francês, Roger Pol Droit, escreveu: “se só me restasse uma hora de vida abriria mão do saber absoluto... abrir mão do saber absoluto é algo jubiloso, abre-se o périplo das surpresas, das curiosidades, das descobertas e viagens sem fim”. O saber que vem das experiências sofridas da vida é mais valioso que qualquer conhecimento.
Ao me despedir daquela pessoa entendi o porquê da missão de meu amigo. Ele, ao se fazer pobre com os pobres, conseguia enxergar o que a maioria das pessoas não enxergam. Dizia ele: “aqui eu consigo ver benção na desgraça; esperança no desespero; sabedoria na ignorância e Deus na pobreza humana”. Entendi que, numa sociedade onde a felicidade depende de condições externas, da capacidade de compra ou da posse de bens materiais, quem não compactua com isso é visto como alguém sem progresso, empecilho para a sociedade e, por isso, deve ser rejeitado e eliminado.
Jesus, Gandhi e Dalai Lama nos ajudam a contestar esta ideologia que divide e marginaliza. A sabedoria independe da condição ou status social. Jesus reverteu o conceito “pobre” que era entendido como entrave, pecado, atraso e doença. Ele ensinou que pobre é quem nada tem e, mesmo na condição de pobreza, se alegra naquele que tudo pode. Mahatma Gandhi afirmava que é na luta, na tentativa, no sofrimento e, não na riqueza do dinheiro e poder, que se encontra a felicidade. O sábio sabe que não é da posse material das coisas que vem a felicidade. Dalai Lama diria que “a verdadeira felicidade vem dos corações das pessoas e não é ligada a nenhum tipo de mercadoria”.
Quem vive virtuosamente se sente bem em qualquer lugar, com todo mundo, seja na fartura ou na carência. Mestre Eckart dizia que “possuir Deus não é submetê-lo a mim, mas me fazer nele e dele, com todo o mundo, na rua, na solidão, em qualquer situação”. Aquela senhora, virtuosa, iluminou um pedaço do meu caminho.
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