Solidariedade em tempos de indiferença

01 de Octubre de 2017

Há tempos venho me questionando sobre o que é ser um ‘bom’ cristão e que diferença posso fazer neste mundo. Deparo-me com algumas estatísticas que me fazem perguntar: num país, onde 70% da população se diz cristã, por que ainda há muita injustiça social? Por que tanta indiferença e descaso diante esta realidade?




Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso 

a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!

 

Mt 25,40

 

Jesus, o Cristo, ensinou que em primeiro lugar se deve buscar o reino de justiça e amor, mas por que a justiça que impera parece estar longe daquela anunciada pelo Mestre? 

 

Deparo-me com as favelas. Ali está a fotografia da desigualdade social neste nosso Brasil. São mais ou menos umas 7 mil e muitas delas são maiores que muitos municípios, contando com uma massa de gente em situação de extrema pobreza e, muitas vezes, sem perspectiva de vida. São milhares de pessoas clamando por justiça na saúde, na educação, no trabalho e na distribuição dos bens sociais. Em outras palavras, clamam por dignidade e direito de viver e não são poucas as vezes que fechamos a esta realidade.   

 

Neste contexto, muitas crianças, mulheres e idosos são obrigadas a trabalhar ou pedir nas ruas a fim de ganhar o “pão de cada dia”. Estão sujeitas à violência dos pais ou responsáveis e acabam por se envolver em roubos e drogas no intuito de solucionar seus problemas. São vítimas de um sistema sócio-econômico desumano; em seus barracos de madeira, de lata e papelão são vulneráveis à desnutrição, doenças e zoonoses. Eis a fotografia desta injustiça social e da indiferença.

 

Abro o livro da constituição brasileira e leio no artigo 203 sobre os direitos das crianças, dos adolescentes e idosos. Teoricamente a lei garante que os cidadãos tenham condição de bem-viver: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (I) - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (II) - o amparo às crianças e adolescentes carentes; (III) - a promoção da integração ao mercado de trabalho; (IV) - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; (V) - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” (CF,1988).

 

A partir desta lei, algumas políticas de assistência social são implantadas na rede municipal, ainda que de forma precária, procurando prevenir situações de risco aos mais carentes. Foram criadas para direcionar o papel do estado e das organizações da sociedade civil no que diz respeito ao atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade e riscos sociais. Entendemos que o Estado tem um papel fundamental na transformação social e econômica, pois é ele que, de forma organizada, detém toda estrutura de mudança, porém, sabemos da grande lacuna que há entre a Lei e a prática da lei.

 

Às vezes passo por algumas favelas e não tem como fechar os olhos a esta realidade. Procuro me sensibilizar e treinar meu senso crítico, apesar de ouvir sobre os seus perigos e os riscos que corremos ao entrar em alguns becos (a mídia se encarrega de propagar o medo e aterrorizar brancos, ricos e ‘gente de bem’). 

 

Abro a Bíblia e me deparo com a parábola do bom samaritano. Fecho os olhos e procuro ouvir o que o Mestre, através de seu Espírito, tem a dizer ainda hoje. Não sou desses que anda ouvindo vozes, de forma psicótica, aliás faço grande esforço para ouvi-lo, mas muitas vezes, Ele me deixa sem respostas, pois provavelmente o procuro onde Ele não se mostra. Mas, onde ele se revela? No próximo. Na face sofrida do outro encontramos o rosto de Jesus.

 

Esta parábola surge como uma resposta do Mestre a um doutor da lei ao perguntar: quem é o meu próximo? (Lc 10. 30-37). Imaginamos a cena da parábola: um homem que, no caminho entre Jericó e Jerusalém, cai nas mãos de assaltantes que além de roubá-lo o espancaram deixando-o quase morto ao chão. Passam por ali um sacerdote e um levita, ambos, ao verem o homem, atravessam para o outro lado sem prestar socorro à vítima. Porém, um samaritano que passava por ali teve piedade e aproximando-se do ferido, cuidou de prestar os primeiros socorros e depois levou-o para uma hospedaria arcando com a despesa para que melhor fosse cuidado.

 

“Qual destes foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”. O doutor da lei sabia a resposta, porém não a colocava em prática. Ele representava, de certa forma, o sacerdote e o levita que conheciam a Lei humana e divina, mas as praticavam conforme lhes convinham. Eram cegos e negligentes diante de graves situações de injustiças. Em outras palavras, eles conheciam bem as leis, que garantiam justiça aos filhos de Deus, mas não as colocavam em prática. Por outro lado, o samaritano não conhecia as leis de Israel e no entanto não mediu esforços em ajudar o estrangeiro violentado que necessitava de sua ajuda.

 

Em Mateus (5, 13-16), Jesus afirma que os cristãos devem ser sal da terra e luz do mundo, para que suas obras façam diferença na humanidade e o Pai das luzes seja glorificado e o seu Reino seja estabelecido. A vontade de Deus se centraliza em suprir as necessidades dos mais necessitados e excluídos da sociedade. Jesus valoriza os excluídos e mais vulneráveis e afirma que cada um desses, sem lar, sem comida, sem roupa e encarcerados têm o seu próprio rosto (Mt 25).

  

É imprescindível que a igreja exerça um papel de agente de transformação desta realidade, oferecendo serviços de qualidade na área social. Não basta saber das leis, acima delas há uma ética que se volta para a justiça e o amor. Sua responsabilidade de ser sal da terra e luz do mundo pode estar vinculada ao exercício de cidadania. Cada um de nós é chamado a ser o ‘bom samaritano’ que se coloca no lugar daquele que sofre e cuida das suas feridas como se fossem suas. A não omissão diante das injustiças sociais pode ser uma expressão do ensinamento de Jesus que diz: “busca em primeiro o Reino de Deus e sua justiça e tudo mais lhe será acrescentado”.

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