Empatia e indiferença

21 de Febrero de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Como foi dito em outro artigo, a Empatia é um instinto de projeção, uma emoção que nos faz unir ao outro, seja na referência, seja na indiferença. 

 

A Empatia pode se voltar à indiferença e pode se opor à compaixão. O filósofo Gabriel Marcel, citando o René Descartes, escreveu que “a indiferença é o grau mais baixo da liberdade” e o Pastor negro, Martin Luther king Jr, concordava com isso, ao dizer que se assustava mais com a indiferenças dos bons do que com as atitudes dos maus. De fato, ele tinha razão. 

 

A indiferença, em relação ao outro, é condição para o egoísmo e pode levar à cobiça e à inveja. Se, por um lado ela é “a maneira mais polida de desprezar alguém”, como via o poeta Mario Quintana, por outro lado, este desprezo não quer dizer “deixa pra lá”. É um comprometimento perturbador em relação ao outro quando se trata de relações humanas. Ele nos coloca ou nos projeta no outro, sem que possamos perceber os nossos problemas, nossas falhas e, pior, como diria Jacques Lacan: “gozando” com isso. 

 

Quem cultiva a indiferença, facilmente sente-se alegre ao saber que o outro está numa pior. Não admira o semelhante a não ser para desconstruir ou destruir a sua imagem. Ésquilo, o trágico, no século V a. C., lamentava que a indiferença tem seus produtos e um deles é a inveja. É fácil cultivá-la entre as pessoas. Segundo ele, nobres são aqueles que se alegram com o sucesso alheio. 

 

De fato, a indiferença é como uma praga no jardim, vai se espalhando e contaminando e pode ter, em sua raiz, uma ansiedade estonteante em relação aos bens alheios. A Psicanálise diria que a indiferença é um mecanismo de defesa, é negação. Na negação do outro se escondem sentimentos de destruição e um deles é a inveja.   

 

Dirão que é um sentimento humano, que não há nada de mal nisso e, quem sabe, exista até uma “inveja boa”. Concordo que é humano, mas não podemos nos submeter a ele e, tampouco, nos escravizar. Se eu invejo o outro, em decorrência disso, ele pode invejar outros, e assim por diante. Podemos dizer que os invejosos não fazem nada e tem um passatempo criminoso: se projetam naqueles que fazem alguma coisa para julgá-los. São inimigos das virtudes e, como escreveu Miguel de Cervantes, veem a realidade com suas lentes aumentadas transformando, por seu interesse, indícios em certezas. Talvez um pequeno conto possa ilustrar o que estamos dizendo: 

 

Uma mulher espiava cotidianamente através da janela, o que se passava na vizinhança. Aproveitava o seu tempo fazendo isso. Todos os dias via sua vizinha pendurar os lençóis no varal. Via que os lençóis estavam sujos e sempre comentava com o marido sobre o que vira. Um desses dias, ela chama o marido para ver. E o marido percebe outra coisa: "Não são os lençóis da vizinha que estão sujos, é a nossa janela". 

 

A perspectiva ou a ótica pela qual vemos a vida é importante e exige que tenhamos vontade de nos confrontar com a realidade. Muitas vezes criticamos no outro o que nos falta. Em seu tratado Sobre a Amizade, Michel de Montaigne escreveu: “Nas cem vezes por dia que ridicularizamos nosso vizinho, estamos ridicularizando nós mesmos. Abominamos nos outros os defeitos que são mais claramente os nossos”.

 

A vizinha, da história, lavava e estendia lençóis todos os dias, esta era uma forma dela ocupar o seu tempo com coisas que importam a ela e sua família. Certamente, à mulher na janela faltava uma ocupação digna de louvor.  Limpar a janela todos os dias seria uma forma de ocupar-se com a própria sujeira. 

 

Papa Francisco foi feliz em se expressar acerca da inveja. Para ele, mais que a riqueza e o status social, o que atrai a inveja é o sorriso atraente, o brilho próprio, a felicidade sem hipocrisia e a paz interior.

 

O melhor a fazer é frear este sentimento, pois assim como a erva daninha corrompe o belo jardim, a inveja corrompe nossas virtudes. Nietzsche diria que não saber voar é a qualidade dos indiferentes que, cada vez menos, enxergam aqueles voam alto e, se os enxergam, é a partir de uma ótica corrompida pela forma ofuscada de ver a vida. Boa metáfora!

 

 

Imagem: https://blogopinar.blogspot.com.co/2015/07/la-indiferencia-emocional.html 

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