16 de Febrero de 2018
[Por: Eduardo Hoornaert]
Em seguimento ao texto anterior (Monoteísmo e Violência 01), proponho que investiguemos, em poucas linhas, as propostas originais dos quatro principais mensageiros principais do monoteísmo: Abraão, Moisés, Jesus e Maomé.
Abrão (que se torna Abraão). Obedecendo à voz de um Deus estranho, Abrão parte para Canaã, abandona o politeísmo de seu pai, muda de nome (de Abrão para Abraão) e vai aprendendo aos poucos como é esse Deus que o chama. É um Deus de todos, que supera clausuras étnicas e sociais. Isso fica patente no episódio de Sarai (mais tarde Sara), a esposa estéril, e Agar, a escrava egípcia que Sarai colocou na cama de seu marido para lhe dar um filho. Ihwh se sensibiliza com as penas da escrava e nisso reside a grande novidade. No capítulo 21 do livro Gênesis, ele a consola na hora extrema em que, desesperada e prestes a morrer de sede com seu filho Ismael, no deserto de Beer-Sheva, se senta a certa distância do menino para não ouvir o choro e ter de vê-lo morrer. Ihwh diz: Eu farei uma nação do filho da escrava (v. 13) e aponta para um poço de água (v. 19), salvando a vida de mãe e filho. Ismael se torna pai dos edomitas, que se estabelecem ao leste da terra dos filhos de seu irmão Isaac (v.21). Estranhamente, Ismael desaparece da bíblia para reaparecer - séculos depois - no Alcorão, acompanhando seu pai Abraão numa viagem a Meca, onde ambos constroem a Caaba (em árabe: casa de Deus) (Alcorão 2/125-126), destinada a todos os homens, sem distinção (22/25). Abraão e Ismael rasgam o velho tecido do mundo, feito da ‘vontade do homem’ (parentesco e etnia) e inauguram um mundo feito da ‘vontade de Deus’ por meio de laços que ultrapassam clausuras étnicas e moralistas. Abraão é o primeiro que se ‘submete’ ao Único Deus Verdadeiro ou, para falar em árabe, o primeiro ‘muslim’.
Moisés. O segundo grande mensageiro monoteísta é o hebreu Moisés. Ele entra no segundo capítulo do livro Êxodo e permanece por longos capítulos liderando o povo hebreu que acaba de sair da escravidão do Egito. Moisés elabora leis que valem para toda a humanidade, como os Dez Mandamentos, em vigor até hoje. Seu monoteísmo ultrapassa fronteiras de etnias, parentescos, nacionalidades, moralidades, costumes e mentalidades.
Jesus. A história de Jesus está imbricada na de Moisés. No capítulo 17 do evangelho de Mateus, ele aparece em companhia do grande legislador, diante dos olhos assustados de três discípulos (vv. 1-8). Em seguimento a Abraão e Moisés, Jesus quebra clausuras de tipo familiar, étnico, social, cultural e sexual, como logo entendeu o fariseu Paulo de Tarso, extraordinário na percepção do que realmente importa. Paulo abandona os particularismos farisaicos para abraçar o universalismo de Jesus. Sua Carta aos Romanos é o primeiro texto genuinamente universalista da história da literatura. Nela se afirma que não existe um povo eleito (em hebraico: ‘am berit’) de um lado e um universo gentio (em hebraico: ‘goi’, termo depreciativo que indica um povo subjugado e escravizado) do outro lado. O rito da circuncisão, que desde Abraão indica a pertença ao povo de Deus, perde sua importância.
Maomé. No século VII dC, o Alcorão introduz Maomé na lista dos mensageiros do Deus único e verdadeiro, em seguimento a Jesus. O texto sagrado dos islamitas menciona o nome de Jesus trinta e cinco vezes e afirma que Maomé pertence ao solene pacto profético-universal que reúne Noé, Abraão, Moisés, Jesus e Maomé (Alcorão 33/7). Maomé é como Jesus, ele também vincula a mensagem de Deus à pregação do universalismo. A Caaba de Meca fica aberta para acolher todos os peregrinos do mundo inteiro e assim mostra, de forma patente, que a revolução islâmica não é uma revolução de culto, mas de comportamento. Forçado a fugir de Meca para Medina (ano 622), Maomé forma a primeira ‘umma’ (comunidade) com migrantes beduínos, comerciantes, politeístas diversos e judeus. A única exigência é a ‘submissão’ ao único Deus Alá. Os judeus, por exemplo, não têm de abandonar seus cultos tradicionais, só não podem fazer proselitismo. Em Medina, Maomé se limita a apagar disputas e instalar a paz entre judeus, cristãos e sabeus (de Sabá, árabes), todos os que creem em Deus (Alcorão 2/62). Eis a mensagem fundamental, seja ela bíblica, patrística (segundo a tradição intelectual cristã) ou corânica. A bíblia, o evangelho e o Alcorão são textos alinhados, não opostos.
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