Dom Pedro Casaldáliga: profeta e poeta

15 de Febrero de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Estamos em festa! Não é uma festa regada a vinhos e banquetes, daquela que se vê entre aqueles que buscam negociar o destino da nação. Não é uma festa em que os políticos de profissão celebram a vitória dos grandes sobre os pequenos; dos fortes sobre os fracos; dos ricos sobre os pobres. Comemoramos outra festa. A festa da resistência e da esperança que tem em Dom Pedro Casaldáliga sua metáfora. É com este espírito que celebramos os noventa anos do profeta e poeta, o pastor de São Felix do Araguaia. 

 

Há trinta anos, li um livro: “Nicarágua, Combate e Profecia”. O autor via a Nicarágua como o símbolo vivo da luta na América Latina. Não era de se admirar que fizesse jejum e celebrasse, com os injustiçados, a esperança de uma nova sociedade em que reina a liberdade e a igualdade. Pedro é um perseverante discípulo de Jesus Cristo. Escreveu: “Há certos demônios que só se expulsam com oração e jejum”. Há sacerdotes e teólogos por profissão, estes se ocupam com a vida da Igreja, mas há pastores que se preocupam com a morte e lutam para que a ressureição seja anunciada. Dom Pedro é um desses. Lê a vida com o olhar de profeta e poeta. 

 

Pedro Profeta!  Belo é ouvir de seus lábios os textos sagrados; belo é vê-lo partilhando o pão da eucaristia. Não é por profissão, por vocação. A diferença? Profissão é ofício, trabalho. Trabalhamos para que não falte o pão de cada dia e muitas vezes o trabalho torna-se pesado e não temos ânimo para executá-lo. E, nem todo trabalho é libertador, há trabalho escravo, que oprime. Mas, o trabalho pode ser exercido com honestidade e competência. Vocação é chamado! Chamado ao exercício de um talento. Dom Pedro, aceitou trabalhar como missionário, por vocação, em meio a uma realidade de conflitos, onde a diferença social é gritante. Sua vocação está ligada ao desejo de compartilhar com todos o amor de Cristo e suscitar, acima de tudo, a fome de Deus. 

 

O profeta, diferente do profissional, ouve um chamado e se aferra a ele. Se preocupa com o mundo e procura lê-lo, com esperança. Dom Pedro lê esta realidade à luz das Sagradas Escrituras e, por isso, entende que a opção pelos pobres, desprezados e marginalizados, nada mais é senão uma escolha pelo apelo divino que, de certa forma, ecoa na voz do seu povo. 

 

Leio um trecho no livro: “Ouro e prata não tenho” – eu poderia dizer, com Pedro e João; nem armas, nem diplomacia, nem poder. “O que tenho, isso vo-lo dou”: a oração de minha fé cristã, minha paixão latino-americana, a inquebrantável esperança na libertação do Reino e, se for preciso, com tantos outros que nos precederam, a minha própria vida”.  

 

Pedro Poeta! Sua forma de anunciar, denunciar e renunciar se mostra na beleza de seus poemas. Eles nos provocam. Fazem-nos abrir os ouvidos para escutar o “chamado”; ajudam-nos a abrir os olhos para ver a realidade; incitam-nos a abrir a boca para partilhar a verdade, o Verbo da vida. Encontrei em meus arquivos uma oração pelo 7° Encontro Intereclesial de CEBs. A beleza dos versos salta aos olhos: 

 

Pai de Jesus e Pai nosso, Deus da vida e Senhor da História: convocados por vosso Espírito, Iluminados pelo Evangelho, alimentados na Eucaristia e sustentados pelo testemunho de nossos mártires, somos o “Povo de Deus, na América Latina, a caminho da libertação”. Irmanados, de todo o Brasil, e de outros países de Pátria grande, mulheres e homens, negros e índios, operários e lavradores, pastores e fiéis: a Igreja una, a Comunidade dos seguidores de Jesus, a Baixada Fluminense, favela de Belém e altar da Páscoa, no 7° Encontro de Comunidades Eclesiais de Base. Queremos partilhar a caminhada, queremos celebrar o vosso amor, queremos assumir nossa missão de testemunhas e evangelizadores, neste continente da morte e da esperança, já nas vésperas dos 500 anos de sua evangelização. Ajudai-nos a construir o vosso Reino, na oração e no trabalho, na família e no movimento popular, na luta e na festa, sendo a Igreja pobre e unida, livre e libertadora, autenticamente latino-americana. Com todos vossos filhos, nossos irmãos, que lutam pela justiça e esperam a libertação. Com Maria de Nazaré, morena de Pátria grande, mãe de Jesus Cristo, vosso filho e nosso irmão, que reina convosco e caminha conosco, na unidade do Espirito Santo. Amém. 

 

O Espírito de Jesus, permanece nele realizando milagres: “Estando com os discípulos à mesa, Jesus tomou o pão, deu graças e o compartilhou com eles. Os olhos deles se abriram e Jesus foi se embora” (Lc 24,29-30). Além de profeta e poeta Dom Pedro é um cozinheiro do Reino. À luta para matar a fome de pão a luta para provocar a fome de Deus.  

 

Imagem: http://blogs.elpais.com/vientos-de-brasil/2013/01/pedro-casaldaliga-está-amenazado-de-muerte.html 

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