Louvor à beleza

25 de Enero de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Para ter olhos lindos, veja o bem nas pessoas. Para ter lábios atraentes, fale carinhosamente. Para ter um corpo saudável, compartilhe seu pão com os necessitados. Para ter cabelos lindos, deixe uma criança acaricia-los todos os dias. A Beleza está em caminhar com sabedoria 

(Audrey Hepburn)

 

O que é o belo? E a beleza? Os debates, muitas vezes inflamados, ligam o belo à arte. Minha ideia é simples: o belo é universal e pode se manifestar de forma particular na arte, na religião, na literatura, etc. Minha postura é teológica. A arte, com toda liberdade, pode expressar o horror e o terror interpretando-os como belo. A noção de belo, até o século XVIII, não dizia respeito à estética ou ao gosto. Com a “Virada antropológica” ele migra do aspecto sobrenatural para o natural; do absoluto para o relativo; do universal para o particular; do divino para o humano. Assim acontece com a beleza. 

 

A performance “La Bête”, do Museu de Arte Moderna em São Paulo é um exemplo deste debate público. A arte pode ser admirada ou rechaçada dependendo do gosto e da ideologia dos indivíduos. A cena é pitoresca: Um homem totalmente nu, deitado ao chão, exposto à visitação. A cena torna-se mais conflitiva quando uma criança, acompanhada pela mãe, toca no “objeto artístico”. Os inconformados acusam os promotores da exposição de incentivar a pedofilia e os falsos valores à sociedade brasileira. Outros, pelo contrário, entendem que a nudez sempre fora exposta na história da arte e chama a atenção para a contemplação do belo no corpo humano. 

 

Há uma teologia da beleza a ser repensada. Não quero concluir debate algum e tampouco acalorá-lo. Minha intenção é considerar a beleza em seu aspecto espiritual, sem defender esta ou aquela posição. Concordo com F. Dostoievski ao afirmar que a Beleza salvará o mundo. Mas, qual beleza? A beleza que revela o amor. Ela é invisível aos olhos, diria Saint Exupéry e Platão, há vinte e quatro séculos atrás, escrevia em Fedro, que a beleza é o esplendor do bem e da verdade.

 

Na Bíblia a beleza e contemplada e cantada. O autor dos Cantares (4,7) não via defeito algum em sua companheira, amiga, amante e esposa. Ali o bem se manifesta completamente, suprindo toda carência da relação homem e mulher. Para o autor de Provérbios (31,30), nós confundimos beleza com vaidade e acabamos por denominar como eterno o que é efêmero e fugaz. Nesta direção canta o Salmo (62, 10): “Não confiem na opressão, nem nos bens roubados; se as suas riquezas aumentam, não ponham nelas o coração”. 

 

Beleza é formosura da alma que contempla outro Reino. O que realmente importa é o interior, “um espírito dócil e tranquilo” (1 Pe 3,4), capaz de “amar a Deus e ao próximo como a si mesmo”. Jesus chamou de “falsos mestres” os que deturbavam a Lei de Deus tornando-a um instrumento de opressão e rapina: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundice” (Mt 23,27). Jesus expressa a Beleza da relação Eu-Deus-mundo. Parafraseando Dostoievsky, “Esta beleza salvará o mundo”.   

 

Santo Agostinho, em suas Confissões, referindo-se a Deus, afirma que toda beleza se fundamenta no Belo. É dom que não se limita à aparência: “Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá fora a procurar-vos”. São Tomás de Aquino entendia que todas as coisas se originam da beleza divina. Os olhos da alma, em harmonia com os olhos do rosto, podem admirá-la em todo seu esplendor. A beleza corporal manifesta a beleza do espírito e Rubem Alves expressa bem esta teologia ao dizer que a comunhão com o sagrado se dá na experiência da beleza. 

 

O poeta J. Wolfgang Goethe admirava a teologia cristã e, ainda que aderisse à forma moderna de ver o belo, nos lembra que a beleza sustenta nosso interior e não temos necessidade de exibi-la exteriormente. Também o filósofo Franz Kafka, referindo-se à velhice, dizia que mesmo na decadência de um corpo cansado podemos enxergar a beleza. Que belo pensamento! A beleza humana não tem idade, não tem roupa, não tem posses, é desprovida de vaidade. 

 

No momento em que escrevo ouço a “Serenade” de Franz Schubert. Sou invadido por esta harmonia assim como sou envolvido por literaturas que me incitam a transcender, ir além do meu próprio ego. Edgar Allan Poe é um desses. Ele consegue, no jogo com as palavras, dar beleza aos seus contos. Há um mistério na beleza. É bom que seja assim. Ela se revela e se esconde; é presença e ausência; encontro e saudade, como diria Clarice Lispector: num átimo de segundo, ela é rapidez de um clarão que nos escapa, logo em seguida.

 

 

Imagem: http://misturaurbana.com/wp-content/uploads/2010/07/MAM-e1279214815575.jpg 

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