18 de Enero de 2018
[Por: Leonardo Boff]
Ao lado das famílias-matrimônio que se constituem no marco jurídico-social e sacramental, mais e mais surgem as famílias-parceria (coabitação e uniões-livres) que se formam consensualmente fora do marco tradicional e perduram enquanto houver a parceria, dando origem à família consensual não conjugal.
Crescem no mundo todo as uniões entre homoafetivos (homens e mulhares) que lutam pela constituição de um quadro jurídico que lhes garanta estabilidade e reconhecimento social, o que vem feito também no Brasil.
Não é lícito emitir um juízo ético sobre estas formas de coabitação sem antes entender o fenômeno. Concretamente: como conceituar a família face às várias formas como ela está se estruturando nos dias atuais?
Um especialista brasileiro, Marco Antônio Fetter, o primeiro entre nós a criar a Universidade da Família, em Porto Alegre, com todos os graus acadêmicos, asssim define:
“a família é um conjunto de pessoas com objetivos comuns e com laços e vínculos afetivos fortes, cada uma delas com papel definido, onde naturalmente aparecem os papéis de pai, de mãe, de filhos e de irmãos” (Correio Riograndense, 29/10/2003,11).
Transformação maior, entretanto, ocorreu na família com a introdução de preservativos e de anticoncepcionais, hoje incorporados à cultura como algo normal e ajudando a evitar a AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis. Ademais, com os preservativos e a pílula, a sexualidade ficou separada da procriação e do amor estável.
Mais e mais a sexualidade bem como o matrimônio são vistos como chance de realização pessoal, incluindo ou não a procriação. A sexualidade conjugal ganha mais intimidade e espontaneidade, pois, pelos meios contraceptivos e pelo planejamento familiar fica liberada do imprevisto de uma gravidez não desejada. Os filhos/filhas são queridos e decididos de comum acordo.
A ênfase na sexualidade como realização pessoal propiciou o surgimento de formas de coabitação que não são estritamente matrimoniais. Expressão disso são as uniões consensuais e livres sem outro compromisso que a mútua realização dos parceiros ou a coabitação de homoafetivos.
Tais práticas, por novas que sejam, devem incluir também uma perspectiva ética e espiritual. Importa zelar para que sejam expressão de amor e de mútua confiança. Se houver amor, para uma leitura cristã do fenômeno, tem a ver com Deus, pois Deus é amor (1Jo 4,12.16). Então, não cabem preconceitos e discriminações. Antes, cumpre ter respeito e abertura para entender tais fatos e colocá-los também diante de Deus. Se as pessoas comprometidas assim o fizerem e assumirem a relação com responsabilidade não se lhe pode negar relevância religiosa e espiritual. Cria-se uma atmosfera que ajuda superar a tentação da promiscuidade e reforça-se a estabilidade e faz diminuir os preconceitos sociais.
Se há sexo sem procriação, pode haver procriação sem sexo. Trata-se do complexo problema da procriação in vitro, da inseminação artificial e do “útero de aluguel”. Toda esta questão é extremamente polêmica em termos éticos e espirituais e sobre isso parece não haver consenso.
Geralmente a posição oficial católica tende a uma visão naturista, exigindo para a procriação a relação sexual direta dos esposos, quando, é razoável se admitir a legitimidade da união de um óvulo da esposa com um espermatozoide do esposo de forma artificial e depois implantar óvulo fecundado no útero, desde que tal procedimento seja imbuído de amor.
Sobre esta questão complexa, valemo-nos da opinião de um especialista holandês católico:
“A tecnificação da procriação humana não é sem problemas. A inseminação artificial em suas diferentes formas, a fecundação in vitro e o transplante de embriões nos permitem realizar uma gravidez fora dos quadros seguros do casamento tradicional. Assim é possível que uma mulher engravide por inseminação artificial com esperma de um doador anônimo; pode-se reunir in vitro espermatozoides e óvulos e implantá-los depois na mulher; pode-se ter um filho por meio de uma ‘mãe de aluguel’. Estes meios técnicos não estão, de forma neutra, à nossa disposição enquanto capacidade puramente instrumental, neles deve estar presente uma responsabilidade ética” (Concilium n.260,1995,36). São meios a serviço do amor parental.
Não basta a procriação artificial. O ser humano tem direito de nascer humanamente, de um pai e de uma mãe que em seu amor o desejaram. Se por qualquer problema recorre-se a uma intervenção técnica, nunca pode-se perder a ambiência humana e o reto propósito ético.
O filho/filha que dai procede deve poder ter nome e sobrenome e ser recebido socialmente. A identidade social, nestes casos, é mais importante, antropologicamente, que a identidade biológica. Ademais, é importante que a criança seja inserida num ambiente familiar para que, em seu processo de individuação, possa realizar o complexo de Electra em relação à mãe ou o de Édipo em relação ao pai, de forma bem sucedida. Assim se evitam psicologicamente danos irreparáveis.
Por fim deve-se sempre entender a vida como a culminância da cosmogênese e o maior dom do Criador.
Leonardo Boff escreveu com Rose-Marie Muraro, Feminino/masculino, Record, Rio de Janeiro 2002.
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