Viver com prazer

18 de Enero de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




O maior dos bens é viver com prazer.

Cícero

 

Escrever algo que nos incita e excita é maravilhoso, porém, escrever com a possibilidade de explicitá-lo melhor ao pensamento, isso é divino. É um prazer refletir sobre o prazer e espero que seja também prazerosa a leitura. Leio "Variações sobre o Prazer" do teólogo e educador Rubem Alves e me alegro com o seu pensamento. Quero me confrontar com esta sensação tão natural que nos convoca a repensá-la. Rubem Alves escreveu: “vivemos para ter prazer”. Talvez seja heresia, mas também eu desejo o lado bom do prazer. O prazer tem facetas que a razão desconhece e, como escreveu Platão, “maior que a parte que sabemos é a parte que ignoramos”. Este escrito é uma forma de não ignorar esta pequena parte, tão natural ao ser humano. 

 

Vou à etimologia da palavra grega Edoné e vejo o que ela indica: “estado de satisfação temporânea”. Platão e Aristóteles se ocuparem deste tema observando que o prazer é a “ação de um hábito que se conforma à natureza”. A natureza é boa, por isso Aristóteles não concorda com os que maldizem o prazer. Em sua Ética a Nicômaco, confronta prazer e dor e observa que os prazeres maus implicam dor e sofrimento, logo não podem ser chamados de prazer. A ação prazerosa flui de nossa própria natureza e direciona-se à necessidade humana. 

 

Para Epicuro não podemos ver o prazer como um mal em si. Ele é essencial para a felicidade. É um bem inerente ao ser humano e, através dele, escolhemos ou recusamos o nosso bem-viver. Em sua Carta sobre a Felicidade descreve o prazer como uma necessidade. Ela só é percebida quando nos falta; volta-se, de maneira geral, para o bem da criatura, ainda que alguns prazeres nos façam sofrer; não se reduz ao gozo dos imprudentes e daqueles que desrespeitam o outro e a própria natureza. O prazer se liga, para Ele, à ausência de sofrimentos físicos e de perturbações psíquicas e espirituais. 

 

O prazer se harmoniza mais com o ser e menos com o ter, pois é, segundo Epicuro, “um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos”. A escritora Marta Medeiros deve ter lido Epicuro: “a solidão só me dá prazer na medida em que sei que ela é uma escolha”. Penso que o prazer está ligado à capacidade que cada um tem de escolher o melhor para sua vida.

 

Há prazer em beber, desde que este ato não avilte a natureza se tornando um sofrimento; há prazer em comer, desde que a pessoa não se empanturre por excesso de comida e isso se transforme em dor; há prazer no sexo, desde que este ato não se torne meramente uma forma de empoderamentos sobre alguém. 

 

Mas, o masoquista e o sádico não vivem pelo prazer? Um por sofrer e o outro por provocar dor? O poeta Virgílio observou bem: "o prazer nos arrasta". Ele nos arrasta para o bem-viver, mas carrega em si o alerta apontando para a dor e o sofrimento. Se tal prazer leva ao sofrimento, ao mesmo tempo aciona o seu alerta: o gozo pelo sofrimento não é direção do prazer, mas um alerta. Artur Schopenhauer, mais recentemente, observa que o prazer é simplesmente a cessação da dor e Freud em seu “princípio do prazer” observou que ele regula a função psíquica e se dirige para a liberação da dor. 

 

Ao encontrar-se com este pensamento o cristianismo trouxe uma nova ideia de prazer. Agostinho em Beata Vita aponta para a espiritualidade do prazer. O prazer é um bem, até na sua capacidade de renúncia. Segundo ele, sábio é quem sabe de suas necessidades físicas, mas não negligencia o espírito, morada da verdadeira felicidade: “serve-se de tudo que lhe parece ser necessário ao corpo, se lhe estiver disponível. E se não estiver disponível, a carência dessas coisas não irá perturbá-lo”. Esta teologia combina com o evangelho de Lucas (12, 15): Então disse Jesus: "Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de uma pessoa não consiste na quantidade dos seus bens".

 

Observando a nossa condição pós-moderna, percebo que o termo “prazer” passou por grandes transformações e tornou-se confuso nesta sociedade “hedonista”. O conceito foi associado à compulsão pelo consumo e à efêmera felicidade que vê no dinheiro o seu senhor. Talvez seja por isso que o Cristianismo, desde sua origem, olhava o prazer com desconfiança. Qual o valor do prazer? Papa Francisco reage à ideologia que distorce e limita o prazer ao acúmulo de dinheiro e ao gozo pelo supérfluo. De forma contundente observa que o dinheiro não colabora para uma vida feliz se ele não serve para servir.  

 

 

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