29 de Diciembre de 2017
[Por: José Neivaldo de Souza]
Volto-me para o passado e sinto que os anos se foram; olho para frente e pergunto se o ano vindouro será melhor. Eu aprendi desde criança a dar “adeus” ao ano velho e receber com alegria o ano novo, na expectativa de que o futuro será melhor. Hoje questiono este aprendizado. Velho e novo são adjetivos que, no campo da linguagem, servem para particularizar o tempo: tempo passado, presente e futuro. Por traz desta linguagem está o tempo eterno, único, sem principio e fim.
Parmênides de Eleia estava certo! Em seu poema Sobre a Natureza declarava a diferença entre ser e não-ser; essência e aparência; necessário e fugaz; eterno e efêmero. O tempo efêmero está no nível das aparências ou véus que escondem a única verdade. O que há de mais necessário é o tempo eterno ou a eternidade. A poesia do filósofo é esclarecedora: as filhas do sol guiam a carruagem até a habitação da deusa da verdade. Na medida em que tiram os véus de seus rostos ou despem de suas aparências, das ilusões que as cegam, elas vão se aproximando do único caminho que leva à verdade, Aletheia. Para Parmênides, somos destinados à essência única, real e eterna de todas as coisas.
A eternidade é o ser, não tem começo e nem fim. Tudo é único, contínuo e imutável. A linguagem utilizada, para descrever esta realidade, deve ser mais contundente possível, pois se assim não o for o que resta é o engano, a ilusão que as aparências proporcionam. A aparência deve servir à essência e não o contrário, assim como a linguagem deve servir ao pensamento e o efêmero à eternidade. O conhecimento advindo dos sentidos é mera ilusão, mas é ponto de partida para se chegar ao pensamento, o ser necessário, único capaz de contemplar a eternidade, assim como ela é, sem véus ou determinação fugaz. A eternidade é o que verdadeiramente é.
Santo Agostinho, ao tentar responder à pergunta sobre o que é o tempo, diz em suas Confissões: “se ninguém me perguntar, eu sei, se o quiser explicar, já não sei”. Para ele o tempo, em sua eternidade, não pode ser apreendido; não conseguimos determiná-lo e nem percebê-lo em sua interessa. Nossa percepção do tempo é fugaz e limitada e, por isso, o definimos em três partes diferentes: o tempo que se foi e não é mais percebido por nós, é o passado; o tempo que se chama hoje é o presente, são às experiências que acontecem no “agora”; o futuro trata do que virá, é pura expectativa.
Na direção de Parmênides e Agostinho, podemos dizer que os conceitos “velho” e “novo” são determinações da linguagem humana e, a partir desta perspectiva, podemos trocar os conceitos e considerar a idade crescente do ser humano: o ano que vem será mais um tempo a ser acrescentado à humanidade, por isso ficará mais velho. Em outras palavras, a humanidade ficará mais experiente em relação aos anos anteriores em que éramos mais novos ou jovens. Nesta nova perspectiva podemos cantar: “adeus ano novo, feliz ano velho que tudo se realize...”.
Prefiro tratar a passagem de ano partindo da eternidade, pois como escreveu Antoine de Saint-Exupéry devemos “viver o hoje porque o ontem já passou e o amanhã talvez nem chegue”. Feliz eternidade! Eis o real, único, contínuo e imutável. Neste sentido, o velho ou novo e novo ou velho são formas de determinar o espaço no tempo e, muitas vezes, é uma linguagem preconceituosa, ilusória, que trata o velho como algo ultrapassado, improdutivo, descartável e sujeito a ser negado para que surja o novo, cheio de vida e de expectativas.
O poeta Mário Quintana escreveu que a passagem de um ano para o outro deveria ter a linguagem da eternidade, pois é um fenômeno metafísico “de morte e ressurreição”. De fato, no paradoxo proposto, o novo também morre para fazer ressurgir o velho. Fernando Pessoa traduziu a eternidade em poesia: “o próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela”. Gosto de Nietsche! Em sua obra Gaia Ciência nos convida a aprender com a eternidade a fim de enxergarmos a beleza em todas as coisas e nos tornarmos pessoas capazes de embelezar as coisas.
Feliz eternidade!
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