14 de Diciembre de 2017
[Por: José Neivaldo de Souza]
Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele.
(1 Jo 4, 16).
Busquei escrever algo sobre espiritualidade. Todas as vezes que procuro elaborar alguma reflexão, neste sentido, sou tomado por outras ideias e acabo perdendo o foco. Desta vez, pensando nas palavras do Mestre que diz: “quem perder vai ganhar”, resolvi dedicar um tempo ao tema da espiritualidade. A princípio, minha afirmação é que a espiritualidade só é cristã se é capaz de libertar a pessoa da indiferença em relação aos que sofrem. Aliás, fico com as palavras de Buda: “a espiritualidade é para aliviar o sofrimento”.
Quero pensar no lado prático e libertador da espiritualidade, sem me importar com conceituação ou pluralidade de teorias sobre o assunto. Ao falar sobre o assunto, posso me referir à diversidade de religiões como também a nenhuma em particular, pois para mim, esta prática independe de doutrinas; é uma relação de amor e respeito à natureza, seja ela humana ou não. Na perspectiva cristã é relação com Deus; é amor que, a um só tempo, se divide e multiplica, como revelou Jesus de Nazaré: “Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão” (Jo 15,13).
Atualmente a noção sobre Deus tem mudado muito e o conceito parece ter se desgastado a ponto de percebermos que neste mundo, onde tudo parece se derreter rapidamente, ou se decompor de forma imediata, até os valores éticos, construídos na história do cristianismo ocidental, perecem de fundamentos, sendo tratados como retrógrados e ilusórios.
Vivemos num contexto pós-razão onde tudo gira em torno do útil e imediato. Se houve uma cultura da subjetividade, poucos são os resultados. Não quero ser pessimista, mas há pouco investimento na alma e na consciência altruísta e os resultados disso pipocam nos noticiários. Os meios de comunicação social nos bombardeiam com noticias de violência, guerras, desnutrição, injustiça social, destruição do meio ambiente etc.
A ideologia capitalista petrificou a alma ao colocar o poder econômico como princípio e fim de todas as coisas. Tudo gira em torno da superprodução e do consumo. Tudo é coisificado, se faz e desfaz rapidamente, revelando um império ambíguo onde os valores se limitam à aquisição de bens; o que tem valor é a produção do luxo e do lixo.
Nesta esteira, também a espiritualidade se vê adaptando a este meio de vida. Apresenta o seu objeto de Culto, como algo a ser consumido conforme as necessidades urgentes e imediatas. Deus, muitas vezes, é reduzido a um “marido de aluguel” ou um “faz tudo” pronto a resolver, de forma imediata, os problemas da casa.
Prezo por uma espiritualidade prática que considere a dignidade humana; que não se dobre ao poderio econômico e suas mazelas de dominação. Leio sobre as igrejas cristãs, tradicionais, que investem em obras de caridade, espalhadas por todos os cantos do planeta. Longe de fazer apologias, com o intuito de angariar fiéis, muitos cristãos, através de inúmeras denominações religiosas, congregações masculinas e femininas, e pastorais diocesanas, investem em pessoas.
A Igreja católica, consideradas as dificuldades, mantém mais da metade das escolas e hospitais na África e não é diferente na Ásia, na Oceania e no Brasil onde há grande quantidade de hospitais, dispensários, leprosários, asilos, orfanatos e jardins de infância. Esta instituição cristã preza por uma espiritualidade que considera a caridade, o amor como manifestação divina, e assume responsabilidades que, na maioria das vezes, são negligenciadas pelo Estado.
Na Encíclica Deus Caritas Est Bento XVI exprime a essência da fé cristã e a missão daqueles que vivem uma espiritualidade libertadora, voltada para o amor. Segundo ele, Deus é amor e neste amor nós cremos e o divulgamos, para que todos tenham vida. O problema é que o termo “amor”, assim como o termo “Deus”, adquiriu outros significados e tomou outros rumos. A Igreja, mais do que se adaptar, deve cultivar uma espiritualidade libertadora sendo sinal de contradição e oposição a este império de insegurança e cultura da morte.
Imagem: Luís Henrique Alves
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