28 de Noviembre de 2017
[Por: Agenor Brighenti]
A realidade que nos rodeia é sempre marcada por luzes e sombras. Por isso, antes de ser otimista ou pessimista, apresenta-se o desafio de sermos realistas. Não se pode perder de vista que é em meio à ambiguidade da história ou do interior do que é “velho”, que irrompe o “novo”, os “novos sinais dos tempos”, como interpelações do Espírito. Isso se dá também no campo social e político.
Nos dias atuais, é de conhecimento de todos, por um lado, o desencanto com a política e a desconfiança nos políticos, o que contribui para a fragmentação do tecido social. Em contrapartida, dá-se o deslocamento da militância política para a cidadania, com o surgimento de uma rede de organizações não-governamentais e de movimentos sociais, sem vinculação partidária, contribuindo para o fortalecimento da sociedade civil. Fenômeno esperançador.
Razões do desencanto
O desencanto com a política e os políticos é fruto da falência da denominada “democracia representativa”. Em última instância, a democracia representativa representa a burguesia, que não tem projeto nacional e está atrelada aos grandes interesses do capital internacional.
Neste contexto, os partidos políticos são pouco mais do que máquinas eleitorais, cujo objetivo é ganhar a eleição. Qualquer partido sério não deixaria de se perguntar, se vale a pena ganhar uma eleição, para depois ser obrigado a agir dentro das regras estabelecidas e, necessariamente, se corromper.
Como frisou o Documento de Aparecida, hoje, há desencanto e desconfiança nas instituições públicas e nos três poderes do Estado. Até mesmo o poder judiciário ficou permeável aos interesses da classe dominante. Em muitos casos, a justiça é legal mas é injusta, pois está politizada.
A importância da política
O dramático é que, por mais suja que esteja a política, não há como viver em sociedade sem ela, pois, viver é conviver. E mais que isso, ela não é um mal necessário, ao contrário, como disse Paulo VI – “a política é a forma mais nobre da caridade”.
As associações derivam da própria limitação do ser humano como indivíduo. A família é a primeira forma de complementação do indivíduo. A partir desta, surgem as demais organizações nos diferentes campos da vida, que permitem conseguir em comum o que nunca os indivíduos conseguiriam sozinhos.
No campo do trabalho, por exemplo, só a colaboração de muitos pode realizar as tarefas que satisfaçam as necessidades comuns. E, no campo da política, só a organização em associações e partidos, pode assegurar a administração dos bens, em vista do bem comum. Assim, a sociedade não constitui uma limitação das pessoas e das comunidades, mas sua autêntica complementação. O Estado, enquanto unidade relacional superior, engloba e configura as unidades relacionais inferiores, dirigindo-as em vista de um bem que seja comum a todos.
A irrupção da sociedade civil
Justamente para sanar a política e o Estado é que irrompeu a indignação cidadã, através da sociedade civil. Na Idade Média, não se distinguia sociedade de Estado, pois o povo estava submisso a um poder absolutista. É na Idade Moderna, com o surgimento da democracia, que surge a sociedade civil, associada a organizações intermediárias entre os indivíduos e o Estado, fundadas na concepção de contrato social.
Mas, é no século XX que ela ganhará importância e mudará consideravelmente. Na década de 1970, com a ascensão das ditaduras militares, a sociedade civil vai se configurar como um contraponto ao Estado, não para suprimi-lo, mas para colocá-lo a serviço da Nação. Já a partir da década de 1980, com o aprofundamento do fosso entre Estado neoliberal e sociedade civil, esta passa a ser compreendida em oposição ao Estado.
Organizados em movimentos sociais e organizações não-governamentais, os atores sociais articulam a ação comunitária e a projetam na esfera pública e, com isso, defendem o interesse público e se constituem em instância de crítica e controle do poder.
Nas últimas duas décadas, com a ascensão de governos populares na América Latina, a sociedade civil foi contemplada em muitas de suas reivindicações, através da implementação de políticas públicas de inclusão social, responsáveis por tirar da pobreza extrema, grandes contingentes da sociedade.
Entretanto, ultimamente, as classes dominantes estão novamente recuperando o espaço perdido e se legitimando no poder, manipulando a opinião pública pelo controle dos meios de comunicação e atrelando novamente o Estado aos interesses da macroeconomia dos países dominantes.
A importância dos corpos intermediários
Frente a isso, como recomenda a Doutrina Social da Igreja, é de suma importância fortalecer a sociedade civil, reconstituir sem cessar o tecido social, que a mercantilização das relações humanas e institucionais, operadas pelo sistema liberal capitalista, tendem a fragmentar e destruir.
Uma das tarefas mais importantes da Igreja hoje é a promoção e o fortalecimento dos corpos intermediários da sociedade civil diante do poder do grande capital, que se limita a garantir o progresso econômico de uns poucos. Só um poder de todos é capaz de desmascarar o “cinismo dos satisfeitos” e alcançar uma relação justa e igualitária entre todos.
Imagem: https://socialsteve.files.wordpress.com/2014/04/human-economy.jpg
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