Sabedoria e conhecimento na produção da cultura

17 de Noviembre de 2017

[Por: José Neivaldo de Souza]




Vira e mexe sou provocado por uma máxima antiga, resgatada por Platão e atribuída a Sócrates, seu mestre: “sei que nada sei”. Cá com os meus botões, surgem algumas perguntas que me fazem pensar a cultura: acolho esta ideia e vivo como um completo ignorante de mim mesmo e das coisas ao meu redor? Aparento-me ignorante e no fundo escondo minha capacidade de ver, analisar e mostrar saídas inteligentes para uma cultura de vida? Devo me expor, consciente de que é uma posição e que não se trata, diante do outro, de ser mais ou menos ignorante? São questionamentos que provocam minha reflexão em relação à cultura.  

 

A máxima socrática incomoda. O educador Paulo Freire certa vez fora abordado por um lavrador que humildemente se dizia ignorante e pediu para ser alfabetizado pelo sr. Doutor. O professor então, se agachando, disse ao pobre senhor: “eu também sou ignorante”. Ele se referia ao não-saber sobre os processos de plantio e colheita no campo. Para ele, ninguém é ignorante de tudo ou sabedores de tudo. Ninguém é tão sábio que não possa aprender e ninguém é tão ignorante que não tenha o que ensinar. O entendimento do mestre ultrapassa a simples noção da “pessoa culta”. 

 

Nesta direção, podemos dizer que o “nada sei” pode ser entendido não como um “saber menos” diante de um “saber mais”; não diz respeito à quantidade de saberes, mas aos diferentes saberes.

 

Vivemos num mundo de aparências onde o engano é uma marca deste tipo de conduta. Há um modelo de sociedade, exposto pelos meios de comunicação social, que cultiva o egoísmo e o consumismo como a melhor forma para se viver. Neste tipo de cultura o ser reduz sua autenticidade em função dos bens que pode adquirir e, neste sentido, até a posse do diploma, como declarou Paul Valéry, pode ser “inimiga da cultura”. 

 

Não devo ignorar o meu conhecimento, minha capacidade de analisar a realidade e enxergá-la com o olhar crítico. Sabendo que há um sistema que busca manipular as pessoas, não é justo viver ignorando esta realidade social onde os mais simples são os mais injustiçados por causa deste saber. 

 

Muitas vezes ignoramos a sabedoria do outro achando que o conhecimento sobre nós e as coisas é suficiente para ensinar as pessoas a viverem. Prefiro lembrar Platão que em sua alta filosofia reconheceu que a inteligência não é sinônimo de sabedoria e que sem amor ou doação ela é infrutífera. É preciso plantar amor para que se produza amor e a cultura seja louvada. Mártir Luther King pregava que uma cultura não pode ser honrada com genocídio, mas com amor e respeito às diferenças. 

  

A palavra cultura aponta para o seu sentido: cultivar. Quando criança morei na roça. Não era fácil o acesso à vila urbana e, como os agricultores da redondeza, tínhamos a ilusão de que na cidade é o melhor lugar para se viver. Lá eu via meus tios e avós arando a terra; plantavam, colhiam e administravam a produção para o próprio consumo e alguns produtos eram vendidos ou trocados. 

 

Uma vez, numa conversa à mesa, na hora do jantar, meu tio mais novo contestou que a colheita daquele ano fora fraca e se continuasse assim teriam que vender a propriedade, dividir o dinheiro e ir para a cidade para estudar e ficar rico. Meu avô, iletrado intelectualmente, mas sábio no que diz respeito à vida disse que ali ele tinha criado doze filhos e as dificuldades que passaram faz parte do trabalho de viver. Neste sentido, a terra devia ser trabalhada, plantada e, ainda que muitas sementes não germinassem, a colheita só viria após muito trabalho. Ele percebera que na fala do filho morava a ambição e o egoísmo. Talvez a parábola de Jesus (Mt 25,14-30), sobre o servo que escondera o talento e não o fez multiplicar, pudesse ser aplicada a este rapaz.   

 

Eu não cheguei a ver meu avô colhendo espigas ou grãos, mas a imagem de um velho semeador nunca me saiu da memória. Esta analogia se aplica, de maneira geral, à produção de cultura e me faz lembrar de outra parábola de Jesus (Mt 13,1-8): um certo homem saiu semeando e uma parte das sementes caiu à beira da estrada, vieram os pássaros e as comeram. Outra parte caiu no meio das pedras onde havia pouca terra e, apesar de brotarem, estas sementes logo secaram por falta de raízes. Outra parte caiu entre os espinhos, porém foi sufocada e secou. A parte que caiu em terra boa deu frutos: 30, 60 e até mesmo 100 vezes mais do que havia sido plantado. 

 

Numa cultura há quem semeia pelo simples desejo de semear e não põe sua expectativa no futuro e nas riquezas que os frutos produzirão, o que vier é dom é graça; há quem espera colher o que não plantou e vive como se o mundo lhe fosse devedor; como se tivesse medo de aumentar o que lhe fora confiado.  

 

A gente tem o trabalho de semear a melhor semente e deve colocar amor nisso, mesmo que algumas não deem frutos. A vida tem o sentido que damos a ela. Quem semeia com amor sabe que as coisas podem não dar certo e nem por isso desiste, continua acreditando. É preciso maturidade para semear.

 

A escritora maranhense, Ita Portugal, fala de uma cultura da maturidade: “Precisamos diminuir o barulho, caminhar mais devagar, prestar atenção em quem chega, abaixar a cabeça e colocar a humildade para funcionar. Somos grandes, quando somos pequenos”.

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