07 de Noviembre de 2017
[Por: Agenor Brighenti]
Estamos imersos em um tempo marcado por profundas transformações. No turbilhão dos acontecimentos, está o desafio de identificar os “novos sinais dos tempos”, em meio a luzes e sombras, na ambiguidade da história. O novo “vem a furo” de baixo para cima, de dentro para fora. Para identificá-lo e acolhê-lo, é preciso discernimento, serenidade, conhecimento do presente e memória viva do passado, condição para gestar um futuro crescentemente melhor.
Uma das ambiguidades de nosso tempo é o crescente individualismo, que atomiza e fragmenta nossas comunidades, assim como o tecido social. É um fenômeno incômodo para os que, na Igreja, são forjadores de relações interpessoais com Deus e com os demais. Como entender este fenômeno? Pura contradição com os ideais do Evangelho ou é portador de interpelações do Espírito, que se constituem em “novos sinais dos tempos”?
A legitimidade do processo de individuação
No período de cristandade, se crê que a razão é coletiva e que a pessoa deve estar submissa à coletividade e às instituições. A pessoa não tem direitos, só deveres. Só Deus tem direitos, guardados pelas autoridades, as quais se deve obedecer. Quem pensa diferente, é um herege ou um inimigo. Com o advento da modernidade no século XVI, começou um gradativo processo de individuação, com profundas consequências para a sociedade e para a Igreja. Adquirem carta de cidadania “consciência individual”, “liberdade de consciência”, o “eu” frente ao domínio do “nós”, “direitos individuais”, “livre arbítrio” na religião, “liberdade religiosa”, entre outras tantas conquistas.
A Igreja teve dificuldades para ver nestas conquistas valores evangélicos. Mas, pouco à pouco foi percebendo que Deus nos criou únicos; que a consciência individual é um sacrário que nem mesmo Deus invade; que o ser humano, criado à imagem e semelhança do Criador, é sujeito de direitos inalienáveis; que o comunitário, antes de aniquilar, precisa potenciar a pessoa, em sua singularidade. Enfim, a Igreja descobriu que a afirmação do indivíduo frente ao coletivo que massifica, não é individualismo, assim como a liberdade, embora possa ser usada indevidamente, não deixa de ser um dos dons mais preciosos recebidos do Criador.
O triunfo do indivíduo solitário
Historicamente, entretanto, valores como liberdade pessoal e afirmação da pessoa frente a uma forma de coletivo que sufoca e massifica as singularidades, foram usados e desvirtuados pelo liberalismo e o capitalismo. Relações pautadas pelo custo-benefício, a concorrência, o interesse individual em detrimento do comunitário, o “ter” mais em lugar do “ser” mais, levaram ao triunfo do indivíduo solitário. Nunca o ser humano foi tão livre, mas também tão só; só e condenado a salvar-se sozinho, em meio a milhões de concorrentes. Há a emergência, do indivíduo hiper-narcisista, hiper-individualista e hiper-consumista.
Em grande medida, isso é resultado da dinâmica do mercado, que absolutiza a eficiência e a produtividade como valores reguladores de todas as relações humanas. Há uma mercantilização das relações pessoais, sociais e religiosas. Tudo é medido pela lógica “custo-benefício”. Das grandes utopias da modernidade, restou o gosto amargo do presente, amenizado pelo ideal de ser um pequeno burguês, no pragmatismo do cotidiano.
A irrupção de novas formas de sociabilidade
É preciso distinguir, pois, individualismo de processo de individuação, assim como ver o individualismo mais como um excesso do processo de individuação. Frente ao coletivo que massifica, no aparente mero individualismo, estão também pessoas que tomaram distância das instituições e das formas tradicionais de associação.
Na realidade, as pessoas continuam se encontrando e interagindo. Não nos espaços tradicionais e nem nas formas conhecidas. A geração “Y” está longe de levar uma vida isolada e solitária. As “redes sociais” fazem a ponte entre o “virtual” e o “real”, assegurado encontro marcado em novos “points”, para novas inter-relações.
Sobretudo no meio urbano, hoje, desfrutando de maior liberdade, as pessoas formam grupos de amigos, que assumem comportamentos similares, segundo sua escolha. São grupos pequenos e homogêneos, que substituem a grande família tradicional. Surgem estratégias de defesa, como a busca dos “afins”, na diversidade das “tribos urbanas”. Nascem grupos que criam novos valores, padrões de comportamento e modos de vida.
Reinventar o modo de ser comunidade
Como se pode perceber, o individualismo reinante guarda também sua ambiguidade. A emergência de novas formas de sociabilidade desafia a sociedade a reinventar participação cidadã e, a Igreja, o modo de ser comunidade. O “trinfo do indivíduo solitário” é portador de uma severa crítica a formas de associação, que não têm espaço para a liberdade pessoal, a autonomia, a subjetividade e as singularidades.
É a comunidade que precisa estar a serviço das pessoas e não o contrário. Só assim a pessoa será capaz de fazer-se dom, de levar o “eu” desembocar no “nós”, condição para uma comunidade de irmãos que se amam.
Imagem publicada em: http://diocesetb.org.br/artigos/detalhes/19.
©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.