O rei e o guru

10 de Noviembre de 2017

[Por: José Neivaldo de Souza]




 

A situação atual do Brasil e me faz pensar. Procurei uma ideia que me inspirasse a escrever, não encontrei. Veio de repente uma imagem e comecei a persegui-la. Era a imagem de um rei, do conselheiro e o guru. Resolvi então entrar neste ambiente e procurar ali uma metáfora que pudesse nos ajudar a ver nossa realidade e pensa-la a partir de uma teologia capaz de libertar.

 

Certa vez, em um país distante, subiu ao poder um rei tirano. A sociedade, que até então gozava de prosperidade na medida em que os cidadãos exerciam com justiça a boa convivência, começou a definhar sob o poder despótico e iniquo do soberano. 

 

A atitude do rei se estendia à corte e aos cidadãos, deixando transparecer um modelo de poder baseado na injustiça e na corrupção. Toda sociedade sofria os desajustes de um poder despótico e injusto. Invés de equidade, a iniquidade se espalhou como uma erva daninha. Em outras palavras, aquela sociedade estava doente e quase morrendo. Só o seu soberano não percebia.

 

Um dia o conselheiro-confidente disse à alteza: “senhor nosso povo está doente, há pobreza, injustiça social, econômica. Por todos os lugares escutamos reclamações, manifestações de ódio, violência. Talvez precise mudar a estratégia de governo”. O rei chamou os ministros da corte e, apesar de boas soluções, ele não acatou nenhuma delas. Havia seus motivos. Primeiro: Se achava sábio demais para colocar em prática outras ideias; segundo: entendia que todos ali estavam envolvidos neste sistema de corrupção e injustiça e, por isso, não tinham autoridade para solucionar qualquer problema. 

 

Ao sair da reunião, o confidente, infeliz, foi até ao cocheiro que tratava os cavalos e, numa conversa, disse ao pobre trabalhador que o rei estava doente. O servo respondeu: “vamos arrear os cavalos, montar a carruagem e sair pela cidade a procura de um homem justo se o encontrarmos, pegaremos a sua túnica a vestiremos no rei... provavelmente o soberano se curará e toda sociedade se beneficiará com isso”. Assim o fizeram. 

 

Passando pelas vilas ouviram lamúrias, gritos de reprovação, pessoas famintas esbravejavam indignadas. Até que encontraram um profeta anunciando: “Exulta de alegria... eis que vem a ti o teu rei, justo e vitorioso”. O cocheiro freou os cavalos e o confidente, com esperança, chamou o oráculo e indagou: “onde estará o justo? Queremos tocar em suas vestes”.

 

Seguiram a direção indicada pelo profeta. No alto de um monte, debaixo de uma árvore, rodeado de um grupo de seguidores, um homem vestido em trapos dizia: “a noite se aproxima, a caminhada foi dura e, pela misericórdia do Pai nosso, partilhamos o pão nosso. O que mais podemos fazer? Orar e perdoar os que nos ofende diariamente”. 

 

O confidente ao ouvir estas palavras desceu da carruagem e se aproximou dizendo: “nosso rei está doente e precisa de sua túnica. Diga quanto custa e nós pagaremos o preço”. Chamando-os à parte o guru disse: “volte ao soberano. Não tenho nada a enviar a ele a não ser estas palavras: As raposas se abrigam em suas tocas, os pássaros se aquecem em seus ninhos, mas, eu não tenho onde descansar a cabeça... Revesti-vos de justiça e não da túnica de um justo”. 

 

O confidente voltou à corte com aquelas palavras reverberando em sua mente. Entendeu que o seu trabalho, junto ao rei, não era o de ouvi-lo, mas o de fazê-lo escutar. Escutar as vozes do povo, daqueles que indicam a justiça como solução para os maiores males da sociedade

 

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