31 de Octubre de 2017
[Por: Agenor Brighenti]
[Primeiro artigo da série “Ambiguidades de um Tempo Pascal”]
Numa série de 10 artigos, nos propomos fazer um diagnóstico de nosso contexto sociocultural e religioso atual.
Não é tarefa fácil, nem isenta de riscos e equívocos, pois há sempre uma distância entre o sujeito que vê e a realidade que é vista. Como dizia K. Marx, “se a visão do sujeito coincidisse com a coisa, vã seria a ciência”.
A saída, portanto, é um olhar analítico, buscando controlar subjetivismos, mas sem cair na tentação da objetividade total, uma pretensão ilusória.
Mergulhados num tempo de profundas transformações
Às vezes, quiséramos ignorar, mas não há como negar. Sobram evidências de que estamos imersos em um tempo marcado por profundas transformações, em que se tem a sensação de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar” (Beaudrillard).
Não só a Igreja como instituição está em crise; a sociedade, como um todo, está em crise. E mais que isso, de certa maneira, a crise da Igreja é sobretudo reflexo da crise da sociedade, não suficientemente assumida como igualmente sua. O papa Francisco está acertando os passos da Igreja com os nossos tempos. Mas, está se cansando, pois não encontra muito eco, sobretudo em amplos segmentos do clero.
As mudanças atingem todas as esferas da vida, por isso, a crise é ampla: crise de paradigmas e das utopias, das ciências e da razão, dos metarrelatos e das instituições, crise de identidade, das religiões, de valores, crise de sentido.
É um tempo incômodo, pois, está permeado de incertezas e angústias, mais ingente à criatividade do que ao plágio ou para agarrar-se a velhas seguranças de um passado sem retorno. Apodera-se de todos um “sentimento de orfandade”, marcado pela instabilidade, a insegurança e, em muitos casos, o medo e o apocaliptismo.
Crise é desafio a nascer de novo
Entretanto, como nos adverte a sabedoria oriental, crise não é “fim-da-história” ou “beco-sem-saída”. Crise é encruzilhada, ocasião de novas oportunidades, mas à condição de não fugirmos dela. Crise, acrisola; é metamorfose, passagem, travessia, só que tanto para a morte como para um novo nascimento, dependendo de como a enfrentamos. Fugir dela, é presságio de um fim catastrófico; assumi-la, é prenúncio de um tempo pascal, de um novo começo.
Nascer de novo, é nascer a partir de dentro, do velho para o novo. Só Deus cria do nada. Nós estamos sempre desafiados a criar, a partir do que se tem. E quando ele emerge do velho, surge como nova pergunta que as velhas respostas já não respondem. Não que o que existiu até agora foi tudo errado. Com o caminhar no tempo, os modelos que se têm vão ficando curtos para integrar a emergência de novas aspirações e valores.
Em outras palavras, a crise atual deve-se mais à emergência de novas perguntas e à busca de novas respostas a aspirações legítimas até agora não contempladas, do que aos equívocos do passado, por mais numerosos e graves que tenham sido.
Estamos desafiados a fazer deste tempo de travessia, um tempo pascal. Trata-se, pois, de alicerçados na experiência do passado e na fidelidade às novas realidades emergentes no presente, olhar para frente e dar respostas novas às novas perguntas.
Assumir a ambiguidade da história
Nosso olhar sobre o contexto atual se dá em meio a luzes e sombras. Tudo o que é humano está marcado pela positividade e pela negatividade, pela acolhida e pela recusa das interpelações do Espírito, que se manifestam nos acontecimentos. O grande desafio é identificar estes “sinais dos tempos”, em meio à ambiguidade da história.
Sem o devido discernimento e abertura ao novo, facilmente se pode satanizar a obra de Deus, que nos chega muitas vezes na contramão, onde e quando se jamais esperava. Como advertiu o Papa João XXIII na convocação do Concílio Vaticano II:
“Em nosso tempo, abundam profetas de calamidades, para os quais não há nada de bom no mundo de hoje; no fundo, eles não aceitam a história; eles não assumem a radical ambiguidade da história”.
Nos próximos artigos, vamos trazer à tona os principais acontecimentos de nossos tempos, grandes mudanças e transformações, marcados pela positividade e pela negatividade. Trata-se, portanto, de acontecimentos ambíguos.
A partir de cada um deles, vamos tentar identificar os novos “sinais dos tempos” ou as interpelações atuais do Espírito, que nos desafiam, alicerçados na esperança de um mundo novo e na confiança de que não estamos jogados à nossa própria sorte, a “nascer de novo”.
Imagem: “Birth of the New Man”, 1943, Salvador Dalí. Publicada em: http://1.bp.blogspot.com/-mQdM8_TMwBg/U2qLKGRtz-I/AAAAAAAAA6o/sX8qYilDXeA/s1600/nn.jpg
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