O princípio esperança

19 de Octubre de 2017

[Por: Eduardo Hoornaert]




Em 1949, o filósofo marxista Ernst Bloch escreve o livro ‘Das Prinzip Hoffnung’ (O Princípio Esperança) que, pensando bem, constitui uma resposta ao antigo filósofo Heráclito e contesta seu ‘princípio violência’. Do mais profundo da alma humana, para além dos gemidos de desespero diante da ‘guerra necessária’, emana a esperança de um mundo sem guerra.

 

Bloch não está só. Há como passar em revista uma impressionante enxurrada de imagens as mais diversas, produzidas ao longo da história da literatura, da filosofia e da teologia, que demonstram um persistente apelo à esperança ‘contra todas as esperanças’. O tema é tão vasto que aqui só dá para mencionar algumas imagens e metáforas, de passagem: o Paraíso dos primeiros capítulos do Livro Gênesis, a Atlântida de Platão, a República do mesmo filósofo, o Reino da Justiça de Aristóteles, a Cidade de Deus de Agostinho, a Hierarquia Celeste de Dionísio o Areopagita, o Regime dos Príncipes do século XVI, a Sociedade Perfeita no Decreto de Graciano (século XIV), o Mosteiro na ideia dos Cistercienses, a Paz universal de Raimundo Lullo (1235-1316), a Cidade das Damas de Christine de Pisan (1405), as Beguinas, os Goliardos, o Decameron de Boccacio (1450-1475), o País de Cocanha, a Ilha Utopia de Tomás Morus (1516), o Novo Mundo na mente dos ‘descobridores’, a América ‘anterior ao pecado’, a Terra incógnita, a Cidade do Sol de Campanella (1602), a Nova Atlântida de Francis Bacon (1627), a Renovatio Mundi, a Reforma, a Revolução, o Socialismo, a Comuna de Paris, a Revolução soviética, a Idade de Ouro, o Tempo da Inocência, o Olimpo, a Árvore do Paraíso, o Éden, o Evangelho, a Jerusalém Celeste, as Ilhas Afortunadas, o Reino do Preste João, a Terra Prometida dos Livros de Josué, o Lugar Santo, o Santuário, a Ilha de São Brandão, a Eneida, as Árvores do Sol e da Lua, a Profecia de Ezequiel, a Apocalipse, os Mil Anos de Felicidade, as Chaves do Reino, o Trono de Deus,  o Reino do Espírito (Joaquim de Fiore), o Santo Padre, o Tabor. 

 

A lista é interminável, sendo apenas uma amostra do fluxo interminável de imagens que expressam esperança, tempos melhores e felicidade de difícil alcance. E observe que só apresento aqui relatos escritos da cultura ocidental e nem entro na cultura popular, nas culturas antigas da América (a Terra Sem Males da cultura tupi-guarani, etc.), nem nas riquezas do imaginário asiático.

 

Bloch, ao longo das pesquisas que deram origem ao seu livro, descobre que só a Bíblia, entre todos os escritos da literatura mundial, mantém, de forma consistente e persistente, a esperança como tema central. Nesse sentido, ele realça um dito do Apóstolo Paulo: quando virá o que é perfeito, o que é relativo será desativado (1Cor 13, 10). 

 

Relativa é a filosofia de Heráclito, assim como a imagem do Deus no Trono Celeste, que ordena a guerra, do Deus Tseav’ot (Deus dos exércitos) dos nacionalistas e do Deus ‘ofendido’ (segundo a teoria sacrificial de Anselmo de Cantuária, teólogo do século XI). 

 

Relativa é a liturgia que insiste no sacrificialismo e carrega consigo resíduos ocultamente guerreiros, relativos a sentimentos de culpabilidade difusa diante de um Deus vingativo, que ameaça vingar-se da ofensa sofrida pelo pecado do homem por meio de calamidades, doenças e infortúnios. Um Deus que, em última análise, retribui a violência do pecado pela violência do castigo. Felizmente, surgem hoje liturgias que substituem o ‘céu do trono divino’, ofendido pelo pecado, pela ´terra prometida’.

 

 

É por meio da leitura de Ernst Bloch que o teólogo protestante Jürgen Moltmann descobre, em 1951, que a esperança não é apenas um aspecto da mensagem cristã, mas constitui seu cerne. Esse tema não está em contradição com o tema do sofrimento, como Moltmann demonstrou em seu livro ‘Deus crucificado’ (1972). Ali ele trata de um Deus que efetivamente entra na história da humanidade, assume o sofrimento que decorre da opção pela à esperança. Não é mais o Deus salvador da antiga teologia, mas o Deus vítima da violência. A imagem de Jesus na cruz é a imagem da esperança para além das forças da violência.

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