02 de Octubre de 2017
Todo místico, homem ou mulher, é, inseparavelmente e ao mesmo tempo, um/uma profeta. A experiência mística não consiste tanto em ter visões extraordinárias, como em ter uma visão nova de toda a realidade.
Para os que pertencemos á tradição judeu-cristã, falar de mística é falar inseparavelmente de Palavra e de profecia, pois todo místico ouve a Deus em seu interior, sente-se por ele abraçado em todas as dimensões de seu ser e sua vida. Isto, longe de aliená-lo em um intimismo espiritualista e um tanto quietista, o lança em direção ao mundo e ao outro a fim de falar do que ouviu e sentiu no encontro amoroso e na união misteriosa com o Senhor. Todo místico, homem ou mulher, é, pois inseparavelmente e ao mesmo tempo, um/uma profeta.
Segundo o grande filósofo jesuíta brasileiro Henrique de Lima Vaz, no Novo Testamento (NT) encontram-se as raízes mais profundas dos três ramos da mística cristã que crescerão no Ocidente: a mística especulativa, a mística mistérica e a mística profética.
Entre estas, a mística profética é por excelência a mística da Palavra. É o fruto amadurecido da ação transformante da Palavra de Deus no espírito daquele que recebe essa Palavra pela Fé, e que pelo Batismo renasce a uma vida nova. No NT, encontra seu lugar nas duas dimensões do kerygma: a palavra e o mistério. Tem como pedra angular a correspondência entre fé e palavra (Acreditei, por isso falei).
Na perspectiva da mística profética, o ser humano é um ouvinte da palavra. E a mística profética acontece com três níveis de mediação: a criatural, a da graça, a histórica. A ação na história a partir da experiência mística vivida vai fazer com que essa mística tenha duas dimensões fundamentais: (1) buscar a Deus; (2) buscar o outro, o próximo, sobretudo ali onde ele ou ela está desamparado e sofrendo.
Na experiência mística revela-se o sentido radical da vida humana. Se toda experiência religiosa é uma experiência do Sagrado, certamente a experiência mística entendida como experiência que tem como objetivo maior a união com Deus enquanto mistério e graça, é uma experiência que requer a pessoa inteira, em uma consciência que apreende, assimila e interpreta a experiência, não se contentando com a sensação afetiva e catártica que ela provoca.
Em se tratando da experiência mística tal como o cristianismo a entende, ou experiência cristã de Deus, é presença do sentido radical numa existência particular e historicamente dada: a de Jesus de Nazaré; e dita numa palavra condicionada e histórica: a palavra da Revelação. A Palavra de Deus que acompanha seu povo levando-o rumo à realização da promessa vai desenvolver uma lógica própria na experiência de fé que suscita na história do povo. Neste sentido, a Encarnação de Deus em Jesus Cristo, culminância desta dinâmica, será a plena manifestação do sentido radical manifestado não apenas através de uma realidade e sua expressão, mas inteiramente identificado com ela.
Na carne vulnerável e mortal de Jesus de Nazaré, e em Seu Espírito que sopra onde quer e arma sua tenda na carne humana é que vai se dar a experiência do Deus que nunca ninguém viu; é que vai se inaugurar, finalmente, a lógica do mistério, a lógica do inefável.
Por isso a mística dentro da tradição judaico-cristã é uma mística de olhos abertos. A experiência mística, assim, não consiste tanto em ter visões extraordinárias, como em ter uma visão nova de toda a realidade, descobrindo a Deus como sua última verdade, como seu fundamento vivo, atuante e sempre novo.
O “místico de olhos abertos” abre bem seu olhar para perceber toda a realidade, porque sabe que a última dimensão de todo o real está habitada por alguém, por Deus. Relaciona-se com o mundo, dando-se conta dos sinais de Deus que enchem toda a Criação com sua ação incessante, com sua fascinante criatividade sem fim. A paixão de sua vida é olhar contemplativamente e não se cansa de contemplar a vida porque busca nela o rosto de Deus. Mergulha nas situações humanas, dilaceradas ou felizes, procurando essa presença de Deus que atua dando vida e liberdade.
A espiritualidade, a mística, portanto, será uma atitude alerta, vigilante, de olhos abertos para ver, ler, entender a realidade, e transformá-la segundo o Espírito de Deus. Trata-se de uma forma concreta, movida pelo Espírito, de viver o Evangelho. Maneira precisa de viver “diante do Senhor” em solidariedade com todos os homens, sobretudo os mais pobres e oprimidos. Para o olhar contemplativo do místico, nenhuma realidade é profana, pois Deus está presente em toda a realidade, amando-a e libertando-a desde dentro de si mesma com discrição infinita. E percebendo essa presença, dela tomando consciência e experimentando-a como amor, a revela aos outros e se une a sua ação libertadora. Toda mística transborda, portanto, em profecia.
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