Os mansos herdarão a terra

10 de Mayo de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Tenho aprendido, e muito, sobre o valor da mansidão, prática há muito esquecida entre os cristãos. Apesar de recorrer a livros, artigos e ouvir sermões tratam de tolerância, equilíbrio emocional e tranquilidade, é a partir da vivência e testemunhos de pessoas simples que consigo pensar esta virtude, relacionada por São Paulo, como fruto do Espírito: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Contra essas coisas não há lei” (Gl 5,22-23). Mansidão não é um conceito, mas atitude de vida, como Jesus queria: “Mas eu digo a vocês que estão me ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam. Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica” (Lc 6,27-29). Quão duras estas palavras! Parece utopia, mas será assim o reino daqueles que aprendem a ser manso, como Jesus: “aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).

 

A mansidão evangélica é uma atitude de pura liberdade e, como escreveu Frei Betto em seu livro: Oito Vias para Ser Feliz, “nada tem a ver com a inércia, a falta de atitude ou a submissão abnegada à violência”. Jesus foi revolucionário sem ter adotado as vias da violência. Há pessoas que nada têm para dar a não ser a si mesmas. Elas se entregam sem presunção, ira ou inveja, e fazem transparecer de forma clara o rosto humano de Cristo. 

 

Conheci, através de uma amiga, uma senhora idosa. Ela morava com os quatro netos e cuidava deles. Era uma “escadinha”. O maior, de oito anos, frequentava a escola; a caçula tinha quase um ano e meio e, entre os outros dois, a diferença de dois anos. Sob a ótica comum, a situação era desesperadora: sua filha, mãe das crianças, por motivos desconhecidos, abandonara as crianças e, até hoje, ninguém sabe o seu paradeiro. A avó, aposentada, ganhando menos de um salário mínimo, assumiu a responsabilidade da casa e dos pequenos e, para aumentar a renda, se obrigava a vender doces no portão de uma escola próxima à sua casa. O que conseguia, mal dava para comer. A casa pobre, onde morava, era de um filho que morrera assassinado. 

 

Esta avó-mãe tinha tudo para ser amargurada e infeliz, mas optou pela mansidão cujos frutos transparecem no rosto daquelas crianças. Eram brincalhonas, amáveis e receptivas. Dizia ela: “Deus está no controle... seja feita a vontade dele”. Esta atitude me fez lembrar Jesus: “Deixai vir a mim as crianças e não as impeçais, porque delas é o reino de Deus” (Mc 10,14). 

 

Apesar de toda dificuldade, eram pessoas suaves. Um deles exibia o seu caderno cheio de estrelinhas e comentários positivos da professora. Em nenhum momento, ouvimos lamentações, tudo era motivo de gratidão. Há quem diga que é ignorância, falta de perspectiva na vida ou fraqueza. Penso diferente! Mansos são os que permanecem firmes na esperança e, sem negar os direitos aos mais necessitados, se entregam e se doam. Luiz Felipe Pondé em A Era do Ressentimento diferencia esperança e expectativa. Esta, segundo ele, “nos prende a uma ansiedade de controle sobre o mundo”, mas a esperança “quando verdadeira, parte da consciência de que precisamos pedir ajuda porque não conseguimos atribuir sentido à vida por nós mesmos”. Os mansos não possuem nada, mas confiantes em Deus, esperam um mundo com mais amor e justiça. Leon Tolstoi lamentava, em Pensamentos para uma Vida Feliz, que “as pessoas lutam neste mundo não pelas coisas que são realmente boas, mas pela posse de muitas coisas que elas chamam de sua propriedade”.

 

“Felizes os mansos, porque eles herdarão a terra” (Mt 5,5). As palavras de Jesus ressoam ainda hoje. Os mansos confiam e esperam em Deus, por isso saem ganhando, apesar de serem as maiores vítimas da injustiça. Os mansos herdarão a terra, não porque são filhos de latifundiários ou detentores dos poderes deste mundo, mas porque agem de forma sensata, escolhendo amar a Deus e ao próximo como a si mesmo (Mt 22,37-39). Manso é aquele que nada possui, mas mesmo assim, não quer a terra destruída pela ambição humana. O grande reformador João Calvino, no século XVI, ressaltava a mansidão como virtude. Para ele, não tem como ser manso e, tampouco ensinar esta virtude, se não há humildade. Pela mansidão suportamos uns aos outros (Ef 4,2). Este jugo é suportado, não por obrigação, mas por amor.

 

Imagem: https://minutodedios.fm/bienaventurados-en-el-espiritu/ 

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